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Você também tem alergia?

Matheus Fernando
Dentre uma das calamidades mais públicas até o presente momento, a que acomete a nossa humanidade são as sacanas alergias. Segundo quem Segundo eu mesmo, pode anotar. E alergia a quê? Calma que a gente já vai chegar lá!
É um processo dispendiosamente incômodo. Parece besteira para quem está de fora olhando a cena, mas para quem está de dentro é um incômodo que vai da preocupação de pôr o pé no chão (quase sempre gelado), passa por dentro do globo ocular (já que até esse se irrita) e causa seriíssimo dano ao cérebro (uma vez que este está constantemente escorrendo pelo nariz).
Não é possível ter interação social em períodos de crise. Antigamente uma das poucas preocupações - como se já não fosse o suficiente - é que você não tem muito controle sobre as lágrimas misturadas a partes do cérebro que poderiam eventualmente descer pelo nariz. Não adianta tentar, você não tem controle! Geralmente o sujeito tem que ficar nivelando a pressão da descida com a cabeça inclinada para o sol por causa da tal gravidade.
Em dias de covid isso piora, qualquer espirro é sinônimo de morte. Mas e o sujeito que só tem alergia? Esse já morreu. Está em constante morte, em constante queda perante si mesmo. Perante sua condição. Mas a questão social, por incrível que pareça, é a variável menos preocupante.
O sujeito, portador da alergia se torna quase um inválido em tal período. O raciocínio não funciona 100%, seu corpo fica indisposto, seu humor muda, uma leve vontade de passar a mão numa faca e retirar o nariz para conserto manual lhe passa a cabeça. Mas nunca é uma boa opção resolver 1 problema criando outros 3 não é mesmo?
E alergia a quê? Não sei! Talvez os deuses da mitologia grega tenham tal resposta. Fico me perguntando se em outras eras os seres humanos sofriam de tal calamidade. Não consigo imaginar um bárbaro ali por volta dos anos 476 d.C., os primeiros cristãos que conviveram com o próprio Jesus, ou mesmo um soldado no meio das trincheiras da Primeira Guerra Mundial com o nariz escorrendo.
Alergia à vida, alergia como forma de ser, como um substituto de uma vida a seu bel prazer e bom senso. Uma vida nefasta. Não sei como se passa com vocês, mas por aqui ela é sorrateira. O dia está bem, está tudo bem até que de repente. Peguei uma roupa no guarda roupa? Alergia. Uma varrida de leve na sala? Alergia. Foi puxar uma xícara do armário? Alergia! Alergia e mais alergia!
Eu poderia aqui enumerar as incontáveis sensações que acometem um ser humano durante o processo de crise. Mas não me cabe, e eu sei que você sabe do que estou falando. Nós como seres humanos que ainda temos que ser em momentos como esse experimentamos outras facetas do ser, outros eus que afloram, querem vir para fora invocar confusão com tudo e todos ao redor.
Acho que foi um pouco disso que o ator e dramaturgo francês Antonin Artaud estava descrevendo ao falar sobre os “inumeráveis estados do ser” ali no início do século XX ao escrever O Teatro e seu Duplo. E se não foi sobre isso que ele estava falando é porque ele não tinha alergia, simples assim. Eu e todos nós que temos podemos afirmar, é só perguntar quem está no meio da angústia de um processo alérgico. Enfim, amigos, é de angústias e alergias que por vezes somos …
Matheus Fernando é aluno de graduação em Psicologia na Universidade Federal Fluminense. É escritor que transita entre gêneros literários como poesia, crônica, conto, peça, ensaio e artigo.