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Visão dialética do território e os conselhos


Francisco Pontes de Miranda Ferreira*

Identificamos nos discursos presentes nos conselhos uma razão instrumental. Uma análise do território como objeto externo em que lógicas técnicas, baseadas no conhecimento científico comprovado, são as únicas possíveis e verdadeiramente eficientes. Há sempre uma autoridade e um especialista que detêm suposta eficiência e competência para tratar de determinado assunto, geralmente representando o poder público e as empresas. Trata-se de um discurso de especialistas, presente principalmente nas Câmaras Técnicas dos conselhos. Existe, portanto, uma hierarquia de saberes relacionada à divisão técnica do trabalho. Autoridades que podem transmitir ordens aos inferiores que são considerados incompetentes para darem suas opiniões e surgirem alternativas. Os especialistas técnicos ignoram valores e ideias questionadas pela comunidade. Entretanto, o conhecimento proveniente desses especialistas não é isento de ideologias e neutro. Pelo contrário, trazem o selo das relações capitalistas de produção, reproduzem os ideias da burguesia e são subordinados às orientações do mercado. Assim montam nos conselhos e Câmaras Técnicas obstáculos à autonomia das comunidades. Assim o território assume não um propósito de fornecer os meios de sobrevivência, mas um sentido econômico. O território se transforma numa fonte de riquezas para a economia de mercado. Esse valor mercantil da natureza é recente e se fortaleceu com o nascimento da economia moderna em que tudo ganha valor de uso e de troca. Uma riqueza que acaba sendo associada ao poder. Desta forma, os objetos técnico-mercantis acabam determinando a paisagem do território, chamado de progresso civilizatório. Acontece um processo de valorização do território. Trata-se de um território centrado nas relações de classe do capital e assim arranjos territoriais surgem expressando as desigualdades. Diferentes recortes de territorialidades socioambientais são então forjados. A apropriação privada dos meios de produção e da natureza inviabiliza a forma plena humanizada e autônoma da sociedade.

"As desigualdades econômicas e sociais, a decrescente participação do povo na tomada de decisões geram uma alienação social e econômica, com importantes efeitos na organização do espaço. Isto é uma realidade em todas as escalas da observação geográfica (SANTOS, 2015)."

Como afirma Santos (2015) as forças que promovem as mudanças na sociedade não alcançam as periferias na mesma intensidade e velocidade. Fato que explica em grande parte as diferenças territoriais. A história do território é extremamente seletiva, assim como são as tomadas de decisões.

Quando, através do trabalho, a sociedade iniciou a transformação de sua essência e existência alterando a natureza, a proposta era de emancipação.

"Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano impulsiona, regula e controla com sua própria ação seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o jogo das forças naturais" (MARX, 1985: 202).

A partir do momento em que aconteceu uma alienação do território (junto com a alienação do trabalho), através de uma sociedade centrada nas relações de classe, surge também a ciência e a técnica instrumentais para defenderem os interesses do mercado. Conselhos foram criados para legitimar as decisões das políticas públicas, escutando os diversos setores da sociedade, mas ainda estão longe de cumprirem essa tarefa, já que as autoridades e os técnicos a favor do mercado possuem mais voz e poder de decisão e ocupam as posições principais dos conselhos e Câmaras Técnicas. No entanto, são locais importantes para as manifestações, expressões e reivindicações das comunidades e a sociedade civil organizada deve investir na ocupação destes espaços como mais uma instância de luta.

Referências MARX, K. O Capital. Crítica da Economia Política livro 1, volume 1. São Paulo: Difel, 1985. SANTOS, M. Geografia, marxismo e subdesenvolvimento in GEOUSP – Espaço e Tempo Vol. 19. São Paulo, 2015. *Francisco Pontes de Miranda Ferreira é Jornalista (PUC Rio) e Geógrafo (UFRJ) com mestrado em Sociologia e Antropologia (UFRJ), pós graduação em História da Arte (PUC Rio), Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, membro do conselho editorial do Jornal Poiésis. É diretor da Arcalama Serviços de Comunicação.

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