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Vidas secas
Atualizado: 8 de mai. de 2022

Geraldo Chacon
Graciliano em Vidas secas empregou foco narrativo em terceira pessoa e não podia ser de outra forma, porque as personagens não possuem o dom da fala e nem da escrita. Nesse livro, o narrador volta-se para o drama social e geográfico do Nordeste, encontrando expressão mais alta nas figuras humanas marcadas pela seca e pela miséria. É o drama de uma família de retirantes que chega a uma fazenda abandonada, depois de escapar da seca. Os incidentes revelam os problemas pessoais de cada um dos membros da família. Mas sobrevém nova seca, esgotando as possibilidades de vida naquelas paragens. A família retoma a peregrinação, acossada pela miséria que os parece perseguir de forma fatalista, mas animada por uma vaga esperança de encontrar vida melhor no Sul.
A paisagem é vista na obra não apenas como mero cenário referencial, mas como uma personagem a mais, integrada que está ao próprio homem, como uma lei natural da vida naquela região. Fabiano projeta em suas características físicas a própria aridez da paisagem: rosto crestado pelo sol, pés rachados pelo calor e pelas pedras, cabelo avermelhado como o solo e olhos azuis como o céu de sol inclemente. Dessa forma, pode ser considerado como uma expressão do próprio cenário, em que vive.
A renovação da natureza com a chegada da chuva estende-se às personagens, mantendo o ciclo da vida e renova a ligação do homem com a terra. Dessa força telúrica brota Fabiano, preso á tradição e vendo-se como continuador das injustiças e opressões cometidas contra seus pais e avós. Mesmo injustiçado, o protagonista não rompe com seu amor pelo chão. A esposa, no entanto, vive sonhando com outro espaço e com um destino melhor para seus filhos.
Graciliano mergulha na análise do homem, aprofunda-se no estudo dessa psique atormentada pelo medo da seca, machucada pelas injustiças sociais e pelo sentimento de inferioridade. O escritor consegue manter um excelente equilíbrio entre a denúncia social e o aprofundamento na análise psicológica, sem se descuidar da preocupação com a forma. Lançando mão da onisciência e do discurso indireto livre, o narrador vai penetrando no interior, na alma de cada personagem, expondo assim seus sentimentos e pensamentos mais íntimos. Até a cadela é desnudada por esse processo e não é raro que alguns leitores chorem quando acompanham sua agonia. Vejam esses fragmentos:
“A vida na fazenda se tornara difícil. Sinha Vitória benzia-se tremendo, manejava o rosário, mexia os beiços rezando rezas desesperadas. Encolhido no banco do copiar, Fabiano espiava a catinga amarela, onde as folhas secas se pulverizavam, trituradas pelos redemoinhos, e os garranchos se torciam, negros, torrados. No céu azul as últimas arribações tinham desaparecido. Pouco a pouco os bichos se finavam, devorados pelo carrapato. E Fabiano resistia, pedindo a Deus um milagre.”
“Sinha Vitória desatou-lhe a correia presa ao cinturão, tirou a cuia e emborcou-a na cabeça do menino mais velho, sobre uma rodilha de molambos. Em cima pôs uma trouxa. Fabiano aprovou o arranjo, sorriu, esqueceu os urubus e o cavalo. Sim senhor. Que mulher! Assim ele ficaria com a carga aliviada e o pequeno teria um guarda-sol. O peso da cuia era uma insignificância, mas Fabiano achou-se leve, pisou rijo e encaminhou-se ao bebedouro. Chegariam lá antes da noite, beberiam, descansariam, continuariam a viagem com o luar. Tudo isso era duvidoso, mas adquirira consistência. E a conversa recomeçou, enquanto o sol descambava.
− Tenho comido toicinho com mais cabelo, declarou Fabiano desafiando o céu, os espinhos e os urubus.”
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