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Um defeito de cor: o livro e a exposição




Ana Gabriela Saba


A literatura apresenta o universo de um autor e permite novos mundos ao leitor, já que as interpretações dos textos lidos compreendem sempre infinitas possibilidades, assim como são plurais as experiências de cada leitor. Imaginem uma exposição a partir de um contundente romance de quase mil densas páginas, essa é a exposição homônima do livro “Um defeito de cor”.


Uma exposição cheia de símbolos e significados da cultura afro-brasileira, aos que nela adentram. Se me permitem os leitores gostaria de fazer desta crítica um relato pessoal das vivências no contato com esta exposição, que se encontra no Museu de Arte do Rio (MAR) até maio de 2023.


O primeiro contato com a exposição foi no dia da sua inauguração, quando houve robusta programação, com entrada gratuita e muitos visitantes. A exposição bela e contundente não só ao trazer os personagens da história e seus símbolos, mas apontando também para as nuances presentes ainda hoje em nossa sociedade, por um racismo estrutural. Neste dia minha passagem pela exposição foi rápida, não consegui observar muitos detalhes pela quantidade de gentes e porque fui absorvida pela observação que fazia das pessoas que por lá passavam, algumas conhecidas, outras amigas, muitas nunca vistas, um dia de múltiplos encontros.


Uma coisa era certa: havia saído decidida a maratonar a leitura do livro para então retornar e experimentar a exposição novamente. O livro havia sido comprado pela indicação de um amigo como o livro da sua vida e o ensejo da leitura vinha há alguns meses quando outro amigo disse que era maravilhoso, mas que o atravessava de tal maneira que deixara a leitura pela metade. O impacto da exposição definitivamente me chamou à leitura.


E que livro! Ana Maria Gonçalves logrou trazer beleza e profundidade ao cotidiano cruel vivenciado pelas mulheres e homens negros escravizados no país. Um livro escrito para a princípio contar a Revolta do Malês e que se alargou por amplas questões raciais, de gênero, classe, religiosidade, trazendo importante interseccionalidade em sua escrita. Oriundo de vasta pesquisa, dedicação e conhecimento cultural, a obra da autora, com o brilhante título, é um predicado.


Não quero dar spoiler da obra e menos da exposição. Gostaria sim de anunciar a riqueza de detalhes simbolicamente expostos nos artefatos e dizeres na representação de cada personagem. Em cada objeto escolhido pela curadoria há a possibilidade da ampliação de cada personagem da obra, contudo se houver a leitura precedente serve de convite ao mergulho na obra, assim como ocorreu comigo na segunda visita.






Ah e retornei sozinha em um daqueles dias em que você acorda e pensa “hoje é o dia de fazer isso”. E para minha feliz surpresa a autora do livro lá estava, em uma sexta-feira comum de outubro, para mediar a visitação de um grupo de cineastas negros. Um doce encontro.

Contudo a exposição não se restringe ao romance da obra, vai além trazendo imagens e artefatos para a reflexão dos corpos que estão autorizados a morrer, na perspectiva de uma necropolítica, como aponta Achille Mbembe; os modos de escravização modernas e as lutas, muitas e contínuas lutas das minorias sociais, mesmo sendo estas maiorias quantitativas. A exposição traz reflexões baseadas nas possíveis leituras de mundo através das epistemologias afro diaspóricas, para que novas histórias possam ser contadas pelas escrivivências, conforme anunciado por Conceição Evaristo.


Livro e exposição cheios de atravessamentos que afetam. E com certeza retornarei a visitar a exposição para mais um mergulho e novas vivências ao passear pelas salas expositivas. A quem quiser, fica o convite a esta visitação e leitura com seus muitos afetamentos.


Ana Gabriela Saba é Historiadora, doutora em Memória Social e educadora em projetos em relação ao Patrimônio Cultural.

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