Jornal Poiésis
UBIRAJARA
Atualizado: 22 de mar. de 2021

Geraldo Chacon
Ubirajara é um livro importante das obras indianistas de Alencar e fundamental no conjunto, completando sua intenção de fazer uma obra panorâmica, que mapeasse o país tanto geograficamente quanto cronologicamente.
Assim, a história do senhor da lança (significado do nome Ubirajara) mostra uma terra selvagem, com sua pureza ainda não profanada pela presença do branco invasor. É um Brasil pré-cabralino, ao passo que O guarani e Iracema já revelam o contato com a cultura branca europeia (D. Antônio, Ceci, Martim) e suas consequências.
Os primeiros cronistas, entre eles Pero Vaz de Caminha, mostram preconceituosamente um índio sem fé, nem lei, como se não tivessem cultura, somente porque não possuíam a cultura cristã europeia.
Essa desvalorização da cultura do habitante primitivo desta nossa terra é questionada por Alencar no prólogo, intitulado “Advertência”. Sabiamente, Alencar assim critica os preconceituosos cronistas do passado: “Homens cultos, filhos de uma sociedade velha e curtida por longo trato de séculos, queriam esses forasteiros achar nos indígenas de um mundo novo e segregado da civilização universal uma perfeita conformidade de ideias e costumes. Não se lembravam, ou não sabiam, que eles mesmos provinham de bárbaros ainda mais ferozes e grosseiros do que os selvagens americanos.”
PEQUENO FRAGMENTO CONDENSADO PARA PERCEBEREM A BELEZA DA OBRA
Ubirajara vence o guerreiro de uma tribo inimiga, Pojucã, e o leva prisioneiro para receber por isso seu título de guerreiro. Em seguida, Ubirajara explica que é costume de seu povo destinar ao prisioneiro a mais bela e ilustre das virgens da taba, para que ela conceba um filho dele e aumente o valor de sua nação. Por isso, destina-lhe Jandira. Esta, que só tem amor por Ubirajara, ao ouvir espavorida aquelas palavras, tenta fugir; mas a mão do chefe araguaia a retém, dizendo ainda ao prisioneiro:
“– Ubirajara parte, mas ele voltará para assistir ao teu suplício e vibrar-te o último golpe. Pojucã terá a glória de morrer pela mão do mais valente guerreiro.”
Jandira e Pojucã ficam em face um do outro. Ela diz que jamais pertencerá a outro que não Ubirajara e Pojucã, por sua vez, diz que não carece do amor de Jandira, pois tem certeza de que não faltarão virgens formosas, que desejem a glória de ser mãe de um filho de Pojucã.
Com sua recusa, Jandira sabe que está sujeita à morte, mas para ela a morte é menos cruel do que o abandono. Jandira parte, desejando a Pojucã uma esposa terna e morte gloriosa.
Depois, já muito longe, no meio da floresta, senta-se a moça à sombra de um manacá coberto de flores e canta uma triste canção em que diz coisas assim:
“Eu fui Jandira, a linda abelha, que fabricava os favos de cera para enchê-los de mel saboroso. (...) Agora eu queria ter no coração uma serpente para morder aquela que me roubou o amor de meu guerreiro. Guardei a minha formosura para orgulho do esposo e inveja dos outros guerreiros. Agora eu trocaria a flor do meu rosto por um aspecto terrível que infundisse pavor; meus seios mais lindos que os botões do cardo, por um peito feroz, e as mãos ligeiras que tecem os fios do algodão, pelas garras do jaguar.”
(p. 32, de Ubirajara, editora Flâmula, Taboão da Serra, 2000).