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Território e trabalho não são mercadorias: o desastre da economia de mercado

Atualizado: 25 de mai. de 2020


Foto: Patrick Raynaud/APIB)


Francisco Pontes de Miranda Ferreira*

A partir de 1914, todo o planeta encontrava-se de alguma forma influenciado pelo mercado. Fato que provocou com que as pessoas fossem manuseadas como mercadorias, como bens produzidos para a venda e a compra. Gente e natureza passaram a ser colocados para a venda. A força de trabalho poderia ser vendida ou comprada e havia um mercado tanto para o trabalho quanto para a terra. A ficção de que trabalho e terra são produzidos para venda e compra se consolidou e o dinheiro, por sua vez, também entrou nesta ficção, sendo apenas um meio de troca indireta estabelecido num acordo. O mercado autorregulado se tornou uma grande ameaça e com resultados devastadores. Surgiram, então, dois movimentos: o mundo autorregulável liberal e os princípios de proteção para preservar gente e natureza.


A história do século XIX foi moldada pelos serviços prestados pelas classes fundiária, industrial, média (comercial) e trabalhadora. As classes industrial e média conduziram a nascente economia de mercado e não se preocupavam com os perigos que poderiam surgir com a exploração física do trabalhador, a destruição da vida familiar, a devastação das florestas, a poluição dos rios, a desorganização dos costumes tradicionais. A classe trabalhadora tinha que defender os interesses humanos e com o sufrágio universal já se tornava um poder político. Criou-se o embate entre o liberalismo econômico e a proteção social. O liberalismo econômico foi o princípio organizador do sistema de mercado. A economia de mercado é sempre uma ameaça a componentes humanos e naturais do tecido social.


A causa da degradação é a desintegração do ambiente cultural da vítima. O processo econômico pode ser o veículo da destruição, mas a causa imediata da sua ruína não é essa razão econômica. A vida com um vazio cultural não é vida e as necessidades econômicas não podem preencher automaticamente esse vazio. O mesmo impacto cultural que afetou o mundo colonial e suas civilizações, sentiu o capitalismo primitivo com a introdução da economia de mercado. Os dois são exemplos de degeneração cultural.


A catástrofe da comunidade nativa é um resultado da ruptura rápida de suas instituições básicas, como foi a transformação de trabalho e terra em mercadorias. Na comunidade aldeã raramente havia fome, já na economia de mercado a fome faz parte do próprio sistema com milhões de desempregados, subempregados e marginalizados. Os índios norte-americanos se recuperaram com a demarcação de suas terras devido ao resgate cultural e não o econômico que foi a garantia de seus territórios. A organização de mercado tornou-se um perigo para sociedade e natureza e, portanto, grupos ou classes pressionam por proteção. Separar trabalho das outras esferas da vida é sujeita-lo às leis do mercado. Assim nativos foram forçados a vender seu trabalho nas regiões colonizadas, provocando extrema ruptura cultural. As tribos, antes da colonização, não conheciam miséria e fome. Eram sociedades mais humanas e menos econômicas. Efeito semelhante sofreram os camponeses com os cercamentos durante a escalada da burguesia na Europa Ocidental.


O homem branco continua derrubando estruturas sociais, como os que insistem em acabar com as terras indígenas e forçar estes povos a entrarem na economia capitalista. No mercado o trabalho ficou reduzido à escolha entre ficar sem alimento ou oferecer seu trabalho, pelo preço que conseguir. Diferente do homem branco, o nativo não se sente atraído para ganhar dinheiro e vender seu trabalho. Fato que não faz parte de sua cultura.


A terra é um elemento entrelaçado com as instituições humanas em que vida e natureza formam um todo articulado. O território está ligado às organizações de parentesco, vizinhança, credo, produção de alimentos presentes na aldeia ou tribo. Na economia de mercado as instituições estão subordinadas às exigências do mercado. A função da economia é apenas uma entre muitas das funções vitais do território. A terra promove a estabilidade da vida, a habitação, a segurança física, a paisagem, as estações do ano. A economia de mercado separa o território da sociedade para satisfazer um mercado imobiliário. A colonização e a economia de mercado arrasaram com o sistema social e cultural da vida nativa transformando a função vital da terra. Fato que ocorreu em pouco tempo nas colônias em relação aos séculos que durou este processo na Europa Ocidental. Temos que lutar para devolver o verdadeiro sentido do território e do trabalho humano. Não são mercadorias e sim elementos culturais vitais.


Referência Bibliográfica POLANY, K. A Grande Transformação: a origem de nossa época, SP: Editora Campus, 2000.


*Francisco Pontes de Miranda Ferreira é Jornalista (PUC Rio) e Geógrafo (UFRJ) com mestrado em Sociologia e Antropologia (UFRJ) e pós-graduação em História da Arte (PUC Rio), Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, membro do conselho editorial do Jornal Poiésis.




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