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  • Foto do escritorJornal Poiésis

Soneto


Charles Soares*


Geralmente um soneto nasce, como qualquer outro texto fictício, de uma história que contam, de um filme que se vê, de uma frase solta que se ouve, ou finalmente de algum sentimento revolto, que não mais cabendo no peito, eclode e nasce em forma de versos. Foi assim que me surgiu à mente um verso misterioso: “Quero o sorriso que trazes contido”. Assim, prontinho, métrico e musical. Logo depois surgiu um outro, como se fossem gêmeos: “Oculto por trás dos olhos de brisa.” Tão misterioso e enigmático quanto o primeiro.


Quero o sorriso que trazes contido

Oculto por trás dos olhos de brisa.”

Comecei a pensar outros versos para compor o soneto. Quando se compõe um soneto, parece haver um mecanismo no cérebro que enquadra as idéias em blocos de dez sílabas. É como se fosse uma configuração, um dispositivo que é acionado e a partir de então, pensamos decassilabicamente.


Não sei se o tal dispositivo não fora ativado, o fato é que não consegui engrenar outros versos aos dois primeiros. Quando não eram as frases que saíam capengas, truncadas; eram as rimas que não casavam. Uma série de frases desconexas e sofríveis, que eu não teria a coragem de assumir a autoria. Depois de muito tentar, cheguei à conclusão de que os dois versos primeiros, na verdade, eram os dois últimos. Que lindo fechamento para um soneto:

“Quero o sorriso que trazes contido

Oculto por trás dos olhos de brisa.”


Pronto. A tarefa agora era outra. Tinha que imaginar uma historia de busca, de desejo, de querer desvendar algo. Uma história que fosse ritmicamente se engendrando em doze decassílabos e culminasse com a chave de ouro, que pronta, esperava. Confesso que a mudança se deu apenas na perspectiva da busca, pois o resultado continuou o mesmo. As palavras bailavam à minha frente, sem se abraçarem, sem dar as mãos, soltas, disversificadas.


Enfim, com minhas pretensões literárias exauridas, desisto. Fui vencido por dois versos enigmáticos. Aliás, o soneto todo, quem sabe, não seria enigmático. É possível que se tenha deixado ver apenas o final e esteja por aí a se rir de mim, que não tive sensibilidade para apanhá-lo.

Charles Soares é formado em Letras e Comunicação, membro do conselho editorial do Jornal Poiésis.

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