Solstício de último dia do ano

Flávia Joss

Como escritora e mulher curiosa, meus ouvidos estão sempre atentos às histórias que ouço, que acompanho, que leio, que vejo. E se elas envolverem relacionamentos e amores impossíveis, gosto ainda mais. Assim, sempre sou presenteada com narrativas reais, mas que cairiam muito bem nos melhores livros de literatura. Será que alguém ainda escreve cartas de amor? Sim. Fiz essa descoberta. Acabei lembrando-me do filme A última carta de amor, o qual assisti no ano passado e me inspirou a escrever uma outra crônica.

Em tempos de pandemia, inseridos no mundo virtual, não é difícil imaginar que pessoas de lugares muito diferentes possam se apaixonar. E foi exatamente o que aconteceu. Oito meses de relacionamento virtual e a promessa de um encontro. Ela esperou do dia 31 de dezembro e soltou as emoções, não vou dizer que foi nos moldes antigos porque não escreveu no papel, enviou pelo WhatsApp. Perguntei se eu poderia registrar em uma crônica, fui autorizada. Que os mais românticos preparem o coração.

“Guardei umas palavras para hoje, 31 de dezembro de 2021...

Eu queria dizer-te muitas coisas, mas a distância e o momento me propiciam a escrita, o que não é ruim, já que na oralidade algo pode se perder, mas aqui não, enquanto você não apertar “DELETE”, tudo ficará eternizado.

Dentro de toda expectativa criada para 2021, nunca cogitei a sua chegada. E que surpresa linda! Você foi entrando, trazendo sua sutileza, seu lirismo, sua voz, sua risada... fomos nos entrelaçando: poesia, amizade, desejo, vida. Tantas cores descobri com você, em você. Meu poeta, passeio por seus infinitos, por seus planetas, por suas luas e marés. Consigo te ler um pouquinho. Você me preenche de sorrisos, abala minhas certezas e mesmo assim é pura leveza. Me faz voltar à adolescência, a ter pensamentos indiscretos, por vezes é a causa da minha insônia e, ironicamente, me faz ter os melhores sonhos. Pra você falo o que penso, na maior parte das vezes sem questionar “o que ele vai pensar de mim?” E mesmo quando pareço romanticamente ridícula, ainda assim me arrisco, me lanço sem medo e vergonha. Já me perguntei, confesso, “o que é isso que estamos vivendo?”, mas entendi que viver é mais importante e mais gostoso que nomear, prefiro os verbos aos substantivos.

Sinto um frio na espinha e borboletas no estômago porque o encontro se aproxima e uma dose extra de ansiedade se encarrega de me fazer companhia. Vou me apropriar de suas palavras e dizer que ‘você é a expectativa de tudo que ainda não vivi, é o beijo e o abraço que eu quero dar.’ Você é em mim inspiração, prosa e poesia.

Eu sei que sempre é tempo demais e que todo “para sempre” tem seu fim e quando o nosso chegar, se chegar, talvez eu continue feliz, porque você despertou o melhor de mim.

Amo você.

Feliz Ano Novo!”

Perguntei sobre a reação do destinatário. Ela sorriu, seus olhos cintilavam: ele me enviou um áudio, pois sua emoção não permitia que digitasse uma resposta. Não me contentei, e sem querer ser indiscreta, insisti em saber a resposta.

“Eu fiquei muito emocionado com seu texto, com cada sensação transmitida por suas palavras...você foi luz nesse ano pra mim, você foi acolhimento, foi alegria, perspectiva, você foi a possibilidade de um lugar seguro pra sorrir, pra chorar, pra expressar, pra calar também. E sem você 2021 teria sido muito mais difícil... eu sou muito grato por você dividir uma parte da sua vida comigo, eu sou muito feliz por tudo o que você somou em mim. Eu já tô aqui emocionado (entre lágrimas), tu sabe, tu já me conhece. Eu amo você.”

Entre risos e em meio a constelação no olhar, ela relatou ter ouvido o áudio muitas vezes. Eu ri e disse que se fosse eu que tivesse recebido, também ouviria. Em pleno século 21 é gostoso ouvir histórias como essa. A lírica amorosa nunca sai de moda pois amor é cura, é caminho e ninho.

Flávia Joss (@flaviasjoss2_) é escritora, professora de Língua Portuguesa e Literatura, especialista em Gêneros textuais e Interação. Possui cursos de aperfeiçoamento nas áreas de Arte& Espiritualidade, Escrita Criativa