Jornal Poiésis
Sociedade da superinformação e da depressão

Francisco Ferreira*
O início de século XXI é marcado pelas doenças neuronais como a depressão e a síndrome de Burnout. O século XX foi marcado por guerras e o paradigma imunológico com a difusão das vacinas em que os conceitos de “ataque e defesa” ganharam relevância. Sendo “defesa” o sentido do afastamento de tudo que é “estranho”. O fim da Guerra Fria já nos sinaliza um outro paradigma no caminho da pós-modernidade em que o “estranho” é substituído pelo exótico e a sociedade de consumo emerge de forma radical.
Toda virada de ano, as retrospectivas jornalísticas repetem as mesmas notícias, relacionadas a nossa proteção contra riscos de epidemias, ditaduras, imigrações e da tecnologia. No entanto, não há o sentido de “estranho” semelhante ao do século passado, aproximando-se muito mais de “ameaça”. Estamos vivenciando um mundo globalizado próximo da promiscuidade onde encontramos um excesso de positividade, uma obesidade de todos os sistemas: informação, produção, consumo. Esta superinformação ameaça as forças da defesa humana em que acontece um exagero da positividade que exige não a imunidade, mas a rejeição e que provoca exaustão e sufocamento. Trata-se de uma violência neural em que não ocorre uma polarização entre amigo e inimigo, mas uma violência inerente ao próprio sistema.
Foucault nos chamou a atenção para a sociedade disciplinar presente nos hospitais, presídios, asilos, fábricas, escolas, quartéis. A sociedade atual se caracteriza por algumas novas instituições igualmente coercivas como as academias de ginástica, escritórios, bancos, aeroportos, shoppings, laboratórios, onde mais importante do que a disciplina é o desempenho e a produtividade. Cada um se torna empresário e vigia de si mesmo. Não existe a negatividade da proibição que é substituída pela motivação em que o fracassado é desprezado. Uma sociedade que acaba assim produzindo um elevado número de chamados fracassados que acabam entrando em depressão. O desempenho exige um esforço enorme e uma rapidez bem maior do que a simples obediência. Há, portanto, uma continuidade da coerção e da disciplina e do dever, mas focada em si próprio. Fato que acaba produzindo pessoas com carência de vínculos e fragmentadas. Sujeitos dominados pelo cansaço, pelo excesso de trabalho que se manifesta em várias formas de violência contra si mesmo, como as doenças mentais e a depressão crescente entre os jovens.
Temos também um excesso de estímulos, informações e impulsos em que a atenção é destruída e fragmentada. Isso acontece em conjunto com o excesso de trabalho. Somos forçados à realização de multitarefas e este acúmulo de tarefas nos aproxima do animal em vigilância constante em que o desvio da atenção pode ser fatal. Estas multitarefas nos afastam da contemplação. Assim os jogos de computadores se aproximam desta atenção animal, superficial. As multitarefas nos afastam da cultura que, ao contrário, exige a contemplação profunda. A aceleração não permite a criação do novo, só a reprodução. Esse andar acelerado não dá espaço para o tédio e a transformação do próprio andar. A dança, por exemplo, é uma ruptura provocada pelo tédio do andar linear e contínuo. Só a contemplação permitiu Paul Cézanne falar em “ver” o perfume e assim nos alertou Nietsche: “Por falta de repouso, nossa civilização caminha para uma nova barbárie. Em nenhuma outra época os ativos, isto é, os inquietos, valeram tanto. Assim pertence às correções necessárias a serem tomadas quanto ao caráter da humanidade fortalecer em grande medida o elemento contemplativo” (Humano demasiadamente humano). Na situação contemporânea pós-moderna, somos ao mesmo tempo prisioneiros e vigias, vítimas e agressores e exploramos nós mesmos. Fato que acaba provocando tanta apatia e depressão.
Referência
HAN, B. C. Sociedade do cansaço, Petrópolis: Vozes, 2015.
Francisco Pontes de Miranda Ferreira é Jornalista (PUC Rio) e Geógrafo (UFRJ) com mestrado em Sociologia e Antropologia (UFRJ), pós-graduação em História da Arte (PUC Rio), Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, membro do conselho editorial do Jornal Poiésis. É diretor da Arcalama Serviços de Comunicação (www.arcalama.com.br)