Jornal Poiésis
Reflexões sobre o Coronavírus no campo sócio-econômico

Francisco Pontes*
Conhecemos as instituições melhor na normalidade ou na crise? Vivemos nos últimos anos o neoliberalismo que segue a lógica do sistema financeiro e podemos dizer que este período é marcado por crises permanentes. Esta crise permanente é utilizada para justificar os cortes recentes nas políticas sociais, com destaque para as áreas de saúde, educação e previdência. Fatos que acabam legitimando a concentração de riqueza e os boicotes nas medidas adaptadas para evitarmos a catástrofe ambiental, em que estamos nos aproximando. O resultado é que a pandemia está nos tornando evidente quanto são carentes os sistemas de saúde, principalmente, para enfrentar a crise do coronavírus. A grande vantagem desta crise é que modos alternativos ao consumismo doentio do capitalismo podem surgir com a forçada permanência das pessoas em casa. Será que o vírus também pode nos levar a uma maior comunhão planetária?
O abrandamento das atividades econômicas traz aspectos positivos e negativos. Um aspecto positivo marcante é a diminuição da poluição. Pode ser um sinal importante de como podemos evitar a catástrofe ecológica. Enquanto isso, os métodos de vigilância rigorosos dos países asiáticos, principalmente da China, se tornam eficazes em tempos de crises, como a do coronavírus. A democracia e o livre acesso à informação deveria ser positivo para o enfrentamento de crises, só que neste mundo predominam Fake News, propaganda comercial e sensacionalismos. A democracia participativa sim pode ser um bom caminho e partir das comunidades. Neste processo todo o mundo capitalista usa de tudo para demonizar a China, acusada de primitiva por ter mercados com animais vivos e hábitos alimentares estranhos. A OMS, entretanto, afirma que a origem do vírus ainda é indeterminada. Os testes gratuitos e em massa provaram ser altamente eficientes para o combate da doença, mas só os países com bom sistema de saúde conseguem realizar isso, o que não é o caso dos Estados Unidos, por exemplo. O interesse por trás do mundo capitalista é neutralizar o crescimento da China que avança rápido e eficientemente nas telecomunicações, na inteligência artificial, nos veículos elétricos e principalmente nas energias renováveis, caminhando para a independência em relação aos combustíveis fósseis.
Temos muitas realidades invisíveis, assim como o próprio vírus, que estão sendo iluminadas com a crise. Um deles é a pobreza grande que existe nos Estados Unidos e na Europa. São os inimigos invisíveis do mercado. Desde o século XVI, três “unicórnios” se desenvolvem: capitalismo, colonialismo e patriarcado. Estes são os principais meios de dominação e trabalham em conjunto, são inseparáveis. Estão agora demonstrando sua face cruel, destacadas na concentração da riqueza, na desigualdade social e na catástrofe ecológica. Será que teremos a capacidade de combater? Quanto aos Estados, ficou bem claro que todos os sistemas de saúde não estavam preparados para combater uma pandemia. E agora os povos estão exigindo do Estado medidas eficazes para proteger a população.
A quarentena que estamos sendo forçados a viver é altamente discriminatória e alguns grupos sociais apresentam especial vulnerabilidade. Mulheres passam por uma situação mais difícil e muitas vezes perigosa. Além de serem a maior parte das enfermeiras e assistentes sociais diretamente envolvidas com os cuidados das vítimas do vírus. São atingidas pelo machismo e a quarentena aumenta os divórcios e a violência doméstica. Outro grupo mais vulnerável é a dos trabalhadores informais - grande maioria em vários países do mundo. Só na Índia cerca de 300 milhões deste setor ficaram sem remuneração. Em países como Quênia, Moçambique e muitos outros, grande parte das pessoas dependem de salários diários e o trabalho em casa se torna impraticável. Trabalhadores de rua formam um grupo altamente precário como os ambulantes que dependem da rua movimentada. Ainda temos os que moram nas ruas e não têm dinheiro para comprar sabão ou acesso à água. O principal grupo vulnerável são os moradores das periferias das cidades. Cerca de 25% da população do mundo vive em bairros informais sem infraestrutura, saneamento, acesso a serviços públicos e com escassez de água e eletricidade. Para esta população a atual emergência soma-se a várias emergências diárias. Muitas crianças dependem da merenda escolar para comerem e várias comunidades sofrem violência policial no cotidiano. Outro grupo extremamente vulnerável são os refugiados e os em permanente êxodo. Além dos refugiados, alguns deficientes e idosos vivem em permanente quarentena. Sendo que os idosos com maior risco de morte, caso contaminados. Muitos destes grupos acima são invisíveis para a sociedade, assim como o vírus. Não estamos tendo a capacidade de responder as crises tão evidentes como a ecológica. Tanto a crise do coronavírus quanto a ecológica manifestam que nosso modo de vida é catastrófico e o planeta tem que se defender para sobreviver.
Podemos tirar algumas lições da crise do coronavírus. Uma delas é que as pandemias não são tão discriminatórias quanto as outras violências comuns contra trabalhadores, mulheres, negros, indígenas, imigrantes, refugiados... Mas, ficou óbvio que os vulneráveis vão sofrer mais. Outra lição importante é que o capitalismo, principalmente na sua versão neoliberal, não tem futuro. Serviços públicos essenciais não podem ser entregues ao mercado e a pandemia revelou a crueldade perversa do modelo neoliberal e sua incapacidade de enfrentar crises emergenciais.
O tempo dos intelectuais de vanguarda acabou. Os intelectuais devem estar atentos às necessidades e às aspirações dos cidadãos comuns. Devemos ser intelectuais de retaguarda e não só de vanguarda e teorizarmos a favor das demandas populares e entendermos melhor as diversas inquietações do povo.
Na Holanda, um grupo de 170 acadêmicos nos traz uma esperança. Trata-se de um manifesto a favor de uma nova economia pós-vírus, baseada no descrescimento:
1. Crescer não o PIB, mas os sistemas de energia limpa, educação e saúde; 2. Desenvolver uma economia de redistribuição com imposto alto sobre as grandes riquezas; 3. Investir na produção agroecológica local e de tendência vegetariana; 4. Reduzir as viagens; 5. Acabar com as dívidas de trabalhadores, pequenos empresários e dos países mais pobres.
Agora cabe a cada um de nós, durante e depois da crise, insistir, lutar, reivindicar, mobilizar, revoltar... Referências SANTOS, B. S. A Cruel pedagogia do vírus, Coimbra: Almedina, 2020. JORNAL EL CLARIN (23 de abril de 2020). *Francisco Pontes de Miranda Ferreira é Jornalista (PUC Rio) e Geógrafo (UFRJ) com mestrado em Sociologia e Antropologia (UFRJ) e pós-graduação em História da Arte (PUC Rio), Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, membro do conselho editorial do Jornal Poiésis.