Jornal Poiésis
Redes Sociais

Gerson Valle
Tenho ouvido muita gente boa se referir com o máximo desprezo às redes sociais, ou mesmo às mídias sociais. A crítica, quase sempre, passa pela quebra da privacidade individual, exposição vaidosa e fútil, a maior parte das vezes, de seus integrantes. E isto tem, efetivamente, certa precedência. Mas, para mim, tais questões perpassam motivos maiores de suas existências. Indo direto ao ponto, tais meios de comunicação estão abrangidas dentro da busca de conhecimento, que é, genericamente, a Literatura.
Vejo a Literatura como a expressão da existência como um todo. Por meio dela tenta-se compreender melhor o ser humano em suas aflições, relacionamentos, indagações fundamentais da origem e destino, condição biológica, espiritual, sentimental, e, por meio de si mesmo, refletir sobre sua posição ante o Universo. Tem sido assim desde as primeiras civilizações, que expressaram em sagas as histórias que refletem comportamentos, convicções e dúvidas. Os livros religiosos ou as epopeias nacionais, abstraindo-se das crenças nem sempre racionalizáveis e exaltações de feitos tentando quebrar nossos limites, em procura do incognoscível ou da renovação em nosso potencial, são pesquisas, estudos antropológicos, descrições da noosfera, como definiu Teilhard de Chardin a nossa afirmação ante a evolução das espécies.
Uma das formas do conhecimento de si mesmo está em livros de confissões, como as de Santo Agostinho, na Antiguidade, ou, na Modernidade, a de um Rousseau. O depoimento próprio equivale-se à visão da alteridade das narrativas novelescas. Tudo conflui para compor o conhecimento do que somos. Autores como Cervantes, Voltaire, Goethe, Balzac, Sthendal, Dostoiévski, Tolstoi, Dickens, Machado, Zola, Thomas Mann, Guimarães Rosa, etc., ao comporem seus textos abrem suas visões, partidas não só do conhecimento literário adquirido na leitura de outros autores, como de sua vida. Assim, as exposições que aparecem na internet não se opõem às confissões literárias de aprofundamento do ser.
As redes e mídias sociais trazem novos meios para a continuidade da arte literária, com ensaios, pensamentos, aforismas, sobretudo correspondência (para a qual trás a grande novidade de ser possível a realização em grupo, ou rede...). Eu aproveito para colocar contos e poemas meus e de autores diversos. A Literatura e sua vasta percepção do conhecimento se expandem ilimitadamente pelas redes e mídias sociais.
Porém, há que se reconhecer que a grande maioria de usuários tira-lhes proveito por um enfoque não tão literário. Pelo viés da exibição pessoal, seja para aferir lucros em seus negócios, usando-as como propaganda de diversos modos, para atrair para seu corpo e feições físicas a atenção, ou para compor um “marketing” para certas realizações. Estas, em última instância, conduzem a afirmações nem sempre verdadeiras, mas que procuram enaltecer qualidades no que se procura propagar. A propaganda e o “marketing” têm suas regras próprias de atuação, não respondendo necessariamente à busca de si e do mundo, realística ou sonhadora, científica ou lúdica, marcas da Literatura. Por eles, inclusive, as verdades se tornam mais relativas, importando mais a venda ou convencimento da eficácia (verdadeira ou não) de um produto, de um projeto, de uma realização... Daí a imposição relativamente fácil, quando se apela à simpatia de uma chamada “amizade” e se deseja uma convivência aparentemente agradável, sem compromissos com seriedades maiores e preocupações mais reais, a um grande número de pessoas, mesmo que por “fake news”.
Propaganda e “marketing” enveredam mais por uma forma de convencimento enganadora que pela reflexão do que somos, de onde viemos, para onde vamos, que é a essência do cogitar. Por eles vão-se formando mitos, mentiras, que passam a dominar conceitos e submissões existenciais. Assim os países fortes dominam os economicamente mais fracos, os milionários tiram a sobrevivência dos miseráveis. Quem detém a força, detém o poder de convencimento, podendo empregar nesta atitude covarde seus excessos, sem com isto se perder. E neles avultam a tirania, os preconceitos irracionais, a convicção da superioridade da propaganda, do “marketing”, do FASCISMO!!!
Creio que isto explica, mesmo que parcialmente, as posições extremistas que os últimos tempos têm assistido no uso abusivo das redes e mídias sociais, no desconcerto entre antigos amigos, na guerra nascida de colocações a maior parte irrefletidas, só por conformismo a uma posição (em geral de mérito meio “socialite”, tolices tais).
Venho aqui lembrar a Literatura como cerne da procura comum de nossas verdades (poéticas e de pés no chão). Uso da honestidade ao contrariar ditos formais postados ao abrigo da “amizade” forjada na internet... E não posso entender que tudo que se queira seja propagar uma postura fútil, vulgar, fácil, ou divulgar a venda vantajosa para si em detrimento do que seja real, necessário, de sustância!
Gerson Valle é poeta e escritor, membro da Academia Petropolitana de Letras.