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  • Foto do escritorJornal Poiésis

Reconhecimento: luta emancipatória social

Atualizado: 5 de abr. de 2021


*Francisco Pontes de Miranda Ferreira


A Teoria Crítica, desenvolvida pelos membros da Escola de Frankfurt, não se limita à descrição da sociedade, mas parte também para a emancipação e a organização social. A emancipação colocada assim como uma tendência natural da humanidade e conquistada através da organização social. A racionalidade instrumental presente na lógica capitalista e industrial necessita encontrar-se com a lógica comunicativa: sendo a instrumental a do mundo do trabalho, da dominação da natureza e da burocracia e a comunicativa a orientada pela reprodução simbólica da sociedade. A racionalidade instrumental sufoca as estruturas comunicativas presentes nas relações sociais e no mundo da vida. O mundo da vida busca emancipação e a subjetividade individual e coletiva através da ação comunicativa. Fato que constitui na luta por reconhecimento.


A partir do desenvolvimento do comércio moderno e da manufatura surge o homem egocêntrico em permanente concorrência hostil. Acordos aparecem através do contrato social descrito por Hobbes ou através da organização racional descrita por Hegel, formando-se a sociedade civil burguesa. Acontece assim uma convivência entre reconciliações e conflitos e formas de se buscar reconhecimento se desenvolvem. Para Hegel o autorreconhecimento do espírito é realizado pala arte, religião e ciência e o sujeito estabelece-se de direitos e passa a participar da vida instrumental da sociedade. A auto experiência instrumental do sujeito está presente no nexo interno entre a ação e o trabalho, instrumento e produto. Mas, o sujeito não é limitado à experiência instrumental, ocorre também a auto compreensão em que se forma o espírito subjetivo. Quando acontecem relações mútuas de se conhecer no outro, surge o reconhecimento. Desta forma, as pessoas procuram a sua participação na vida pública de uma coletividade. Hegel enfatiza o Direito Natural presente nessas relações em que surgem direitos e deveres de uns para os outros. Os sujeitos, mesmo em competição, alcançam uma solução jurídica, como a presente no contrato social. Para isso, os indivíduos constroem um reconhecimento mútuo que envolve um processo de comunicação. O reconhecimento é institucionalizado na forma de contrato. Temos que considerar, portanto, formas diversas de reconhecimento (HONNETH, 2003).


A autoconsciência só é possível com a existência de um segundo sujeito. Um indivíduo não pode influir sobre si mesmo apenas com base numa autopercepção. A autoimagem amplia-se na medida em que a pessoa vai se relacionando com um ciclo maior de pessoas. Há também um outro generalizado e o indivíduo passa por uma influência de vários outros simultaneamente. Como num jogo em que a atitude de cada um tem influência da de todos os outros participantes. Expectativas são criadas, baseadas no comportamento de todos. Até um ponto em que normativas são reguladas. Para ser membro de uma coletividade há necessidade de um reconhecimento em que se adquire obrigações, mas desenvolve-se também a busca por direitos. Para ser membro de uma comunidade a pessoa precisa atingir uma certa dignidade e a sua identidade alcançar um valor social que envolve um autorrespeito também. Esse autorrespeito, por sua vez, requer uma segurança de si próprio.


A reprodução da vida social efetua-se com o reconhecimento quando os indivíduos passam a conceber a si próprios. As lutas moralmente motivadas, tanto institucionais quanto culturais, impulsionam as transformações sociais e partem da luta por reconhecimento. O reconhecimento envolve amor, medo e ameaça presentes na relação entre o bebê e a mãe. A reciprocidade acontece quando ambos passam a se reconhecer como pessoas independentes, mas que se amam mutuamente. O amadurecimento depende de um acordo comum, necessário para a conquista da autonomia. O rompimento começa para a mãe quando ela consegue retornar suas atividades cotidianas e a criança fica mais tempo só. No lado do bebê ocorre um desenvolvimento intelectual inicial e a percepção do ambiente. A criança começa então a testar o amor materno e realiza uma transição em que procura objetos do seu meio material para se apegar e/ou destruir. Uma aceitação total da realidade nunca é alcançada, nem na fase adulta. Quando esse processo é demasiadamente perturbado surgem diversas patologias psíquicas. Mas, nesse processo está a base para a construção de uma vida autônoma. No reconhecimento jurídico, por sua vez, há uma relação do álter e do ego em função de normas sociais em que surgem deveres e direitos em que o sujeito visa a sua própria proteção social. Na esfera jurídica os indivíduos procuram liberdade, participação e igualdade que são historicamente construídos através das necessidades de pertencimento a uma comunidade. No início muito poucos indivíduos tinham direitos e ao longo da história os direitos foram se espalhando para outros membros da sociedade. Para isso os grupos sociais foram conquistando autoconfiança para manifestarem seus desejos de autonomia. Um exemplo típico são as conquistas nos anos 1950 e 1960 do movimento negro nos Estados Unidos. Assim grupos excluídos através do auto respeito alcançam direitos civis relevantes (HONNETH, 2003).


A integridade humana se deve ao reconhecimento enquanto que o desrespeito provoca impactos negativos que podem desmoronar uma pessoa. A humilhação pode provocar o insucesso de um indivíduo ao longo de sua vida e se trata de uma privação do reconhecimento. No entanto, a reação ao estado de desrespeito pode impulsionar a resistência social e a pessoa pode partir para o conflito interno e externo. Toda tentativa de se apoderar do corpo de uma pessoa, contra a sua vontade, provoca um grau de humilhação que pode ferir muito a confiança nos outros e em si mesmo, provocando uma espécie de vergonha social. Ocorre uma quebra da confiança individual que pode ser duradoura e um rebaixamento do auto respeito moral. Existem também os desrespeitos coletivos que são historicamente transformados, como foi a exclusão social provocada pela escravidão. Fatos que de todas as formas atingem a psique humana com a experiência de humilhação social. O desrespeito tem forte componente afetivo presente em sentimentos como vergonha, tristeza e indignação. O sujeito deve, entretanto, reagir com sentimentos positivos e sua libertação provocar alegria e excitação. A vergonha em especial é extremamente forte e envolve um rebaixamento do próprio valor. A vergonha envolve outros sujeitos reais ou imaginários que testemunham a lesão. No entanto, a experiência de vergonha e desrespeito pode se tornar impulso motivacional para a luta por reconhecimento através de uma práxis de resistência. O nível de reação vai depender muito do ambiente cultural e político que o indivíduo se encontra e assim muitos movimentos sociais se articularam a partir dos sentimentos de desrespeito. A luta por reconhecimento romove as grandes mudanças históricas e, ao mesmo tempo, a experiência do desrespeito é fonte de resistência social. A própria história da humanidade é marcada por processos conflituosos de lutas por reconhecimento, fonte motivacional dos movimentos sociais e da auto realização individual. No ato de uma produção artística ou artesanal o indivíduo consegue fazer uma antecipação mental intersubjetiva de sua obra. A obra pronta se torna um espelho de experiências subjetivas. No modo de produção capitalista essa relação é rompida já que o trabalho e o produto pertencem a uma classe dominante e as relações de reconhecimento inexistentes. O trabalhador perde sua autonomia quando os meios de produção são arrancados de seu domínio. No trabalho cooperativo, por outro lado, há um reconhecimento mútuo. Assim a questão do reconhecimento é mais uma forma de alienação presente no modo de produção capitalista. (HONNETH, 2003).

Precisamos conhecer melhor como que grupos sociais vão reconhecer sua realidade, não aceita-la e se comportarem politicamente. Acontece um processo de identificação de privações, injustiças e desigualdades que conduzem o grupo ao confronto. O colonialismo e o neocolonialismo provocam um sentimento de rebaixamento que faz parte do princípio do colonizador. As rebeliões sociais são fruto não só da condição de miséria, mas também das expectativas morais dos atingidos. Assim aconteceu com o camponês, na chegada da sociedade industrial, que foi expulso de sua terra e forçado a um novo estilo de vida, muito abaixo do seu padrão anterior. Assim de forma agressiva o sistema industrial capitalista continua agredindo e rebaixando várias comunidades. Fato que provavelmente provocará novos confrontos políticos.


Referência

HONNETH, A. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 2003.

Francisco Pontes de Miranda Ferreira é Jornalista (PUC Rio) e Geógrafo (UFRJ) com mestrado em Sociologia e Antropologia (UFRJ), pós graduação em História da Arte (PUC Rio), Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, membro do conselho editorial do Jornal Poiésis. É diretor da Arcalama Serviços de Comunicação (www.arcalama.com.br).

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