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  • Foto do escritorJornal Poiésis

Realmente estamos mudando com a pandemia?



Biancha Mamede


Não há como negar que este evento de escala mundial está mexendo com nossas vidas, pensamentos, projetos, medos e muitos outros aspectos que ficaria impossível enumerarmos. Contudo me pergunto, sem resposta clara, estamos mudando? Ou criamos histórias bonitinhas de auto-reflexão para dar um sentido virtuoso a uma situação que fugiu do nosso controle?


Essa semana precisei ir ao mercado, afinal todos precisam comer! Com toda a segurança, beirando uma missão militar para me proteger e ao meu semelhante, armada de álcool e máscara parti para a “operação mercado”.


Durante o trajeto percebi uma mulher caminhando a minha frente que parou de súbito, pois havia um carro estacionado com as quatro rodas sobre a calçada e com a porta aberta, o que impedia a passagem de qualquer um com massa e volume razoável. Pois bem, a mulher pediu para o rapaz que fechasse a porta por estar impossibilitando a passagem, afirmando que o motorista estava errado duplamente; portas abertas e na calçada.


Ao puxar a porta para dar passagem, ouvi o sujeito, de forma irônica dizer à mulher: “- Não dá pra passar? Está bem gorda! Vai Baleia!” Preciso dizer que o sujeito estava sem máscara, sentado dentro do carro em posição confortável, fumando e lendo algo, como se estivesse na casa dele. Só que não, ele estava em espaço público, ou seja, espaço a ser repartido com o outro.


Antes de refletir sobre o fato de forma abrangente interferi nessa história, como se fosse minha, mas na verdade era, pois eu estava ali e era uma mulher como eu. Não poderia continuar meu caminho como se nada tivesse presenciado. Assim que passei entre o carro e o muro, parei e perguntei se o fato de tentar humilhar uma mulher havia feito com que ele se sentisse melhor com seu erro. Perguntei se ele gostaria de ser xingado na rua na frente de outras pessoas. Perguntei se ele estava satisfeito com seu corpo e se a falta de cabelos e a sua barriga não o incomodava. Perguntei qual o sentido daquilo, qual o sentido de agredir uma mulher que evidenciou o seu erro ou falha. E perguntei o porquê de usar a baleia como forma de xingamento.


Não obtive respostas, pois o mesmo fechou a porta e saiu com o carro, falando em tom baixo, porém audível: “- Você é doida!! É Louca...” Eu virei o foco que evidenciava seu erro, era mais fácil me chamar de louca, o que até poderia ser, pois pensar fora da caixa não é a maioria.


Foi um ato de sexismo? Foi preconceito pelo fato dela estar acima do peso na avaliação dele? Foi o fato de ser uma mulher chamando a atenção de um homem?


Qualquer discussão acerca das desigualdades entre homens e mulheres já vem de longa data. Sabemos que às mulheres era reservado o lugar de menor importância, que seus direitos e seus deveres eram voltados para a criação dos filhos e os cuidados da casa e da família, que até hoje ainda há muita dificuldade. Certa feita, quero fazer um recorte com nosso momento atual. Ouvimos e vemos nas mídias discussões sobre “O Mundo Pós Pandemia”, como se o fato de termos a nossa vida posta em risco por um vírus fosse o suficiente para nos lançar num projeto de evolução humana jamais registrado antes ( essa não é a primeira pandemia vivida pela raça humana).


Qualquer movimento de mudança é um projeto individual que independe da Pandemia provocada pelo COVID-19. Fatores externos podem gerar ou não movimentos internos em um ser humano, sendo a motivação ou o desejo a alavanca para reformulações e definições de valores e conceitos.


As mudanças comportamentais pertinentes a esse novo/velho vírus são pertinentes com a necessidade atual e não necessariamente refletirá em uma nova estrutura de comportamento social. Provavelmente o esquecimento ocorrerá para muitos, assim que a vacina chegar e nossas vidas voltarem à rotina, com as contas chegando e os aniversários e natais festivos voltarem a fazer parte da nossa agenda anual. Pode ser que a imunização amenize o que hoje é desespero e medo, afinal temos uma memória seletiva e por vezes ignoramos o significado para seguirmos em frente. Mas esse seguir em frente é complicado para as famílias que sofreram perdas com a pandemia e estarão marcadas. Estas marcas poderão provocar reformulações internas ou não. Dificilmente conseguiremos avaliar o reflexo no social, quando o impacto individual ocorre de maneira desigual (a classe média sofre os efeitos da pandemia diferentemente das demais classes).


A enxurrada de notícias sobre o coronavírus satura as mentes com excesso de informação sobre o fato de pouco sabermos. A vacina, os sintomas, quem morre e quem não morre, o desemprego, a fome, a politicagem... Tudo isso gera muita ansiedade e insegurança; é o desconhecido que pode levar à morte, a qual também é desconhecida. Nesses momentos de desamparo é natural que as pessoas tentem atitudes melhores, tentem voltar para religiosidade ou religião de preferência, mas será que isso causará numa mudança de fato? Será que um COVID19 é o bastante? Ou será que todos nós, que estamos nessa nave chamada Terra, temos momentos distintos e ritmos diferenciados no processo de mudança?


Talvez estejamos criando uma expectativa muito profunda sobre nós mesmos. Talvez estejamos buscando um sentido, encaixotando o processo de evolução humana em um evento. Talvez a mudança esteja ocorrendo em cada um de forma diferente e não necessariamente será uma boa mudança. Talvez ora agiremos bem e em benefício da humanidade e ora agiremos na defensiva, agredindo, humilhando para proteger nosso frágil ego.


Talvez... Só talvez estejamos juntos num processo solitário de despertar.

E você? O que pensa?


Biancha Mamede é psicóloga, terapeuta cognitiva comportamental, hipnoterapeuta. Atendimento online. Contatos: (22) 99238-3231

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