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  • jornalpoiesis

Quem é a parteira de ciclos?

Atualizado: 17 de abr. de 2022



Matheus Fernando


É incrível perceber como tudo em nós converge num ritmo diferente quando percebemos que algo se aproxima. Que o novo se aproxima. Ou que seja um movimento natural de se afastar do velho. Mas há algum movimento acontecendo e a gente sempre percebe. Não sei se para trás, se para frente, se só interno mesmo, ou se é algo que extrapola os limites do subjetivo onde cada indivíduo recorre ao seu clássico lugar mais seguro possível.


Alguns para as orações de sua religião, alguns se refugiam no tipo de arte que melhor lhe apraz nesse momento, uma música, um bom filme, ou algo que seja de sua própria e simples produção. Alguns recorrem a um bom edredom. Alguns nesses momentos preferem o isolamento na contrapartida de outros que se sentem mais confortáveis na vulnerabilidade que é abrir seus anseios para o próximo mais confiável possível, um antigo amigo talvez. Alguns felizardos possuem dinheiro para uma terapia neste momento. Cada um lida com momentos como esse da maneira que pode.

Você meio que parece que sente que um ciclo está se fechando e prescinde quando um novo se aproxima. Sobretudo pelo frio na barriga perene que se aproxima na medida em que nada se sabe sobre o que há para além da curva da estrada como muito bem relatado pelo querido Fernando Pessoa.


E meu interesse não é sobre o por vir, porque sobre este eu já aprendi a lidar. Aprendi a ser bom a pedalar na chuva. Confesso que até me sinto mais confortável nesse movimento mais agressivo que é pedalar sob a chuva do que quando me sobrevém, nos sobrevém aquele silêncio, esse perene silêncio, marcado por um pequeno fiapo de vento austero, não aquele que se sente na ereção dos pelos na extremidade dos braços - mas daquele que nitidamente se sente dentro da barriga.


Sócrates, considerado o pai da Filosofia, traz em seu pensamento uma ideia muito interessante denominada por ele mesmo como filosofia maiêutica. A palavra maiêutica também pode ser traduzida por obstetrícia, a arte de realizar partos. Mas não partos de bebês e sim de ideias. E eu fico me perguntando: “Quem seria a parteira de ciclos?”


Será Deus a tal parteira? Evidentemente que para muitos essa seria a resposta mais certeira. Para mim também, de certa forma. Mas é necessário um certo ceticismo em relação a respostas muito rápidas para perguntas difíceis como esta. Não que Deus não seja um bom candidato, claro.


Mas eu tendo a ficar muito mais com a possibilidade do parto deste movimento acontecer numa espécie de entre do que numa espécie de para além, de uma mera representação que qualquer resposta rápida possa conferir. E aqui a nossa investigação já fica mais dificultada já que se afastar de pensamentos quase automáticos se trata de uma tarefa que exige tempo e reflexão - coisa que não estamos mais habituados a fazer em tempos de metaverso.


Ciclos não se iniciam ou se fecham… corrijo, esse momento, esse movimento de aproximação ou de afastamento não acontece em outro lugar do que não num lugar limítrofe, não num lugar ensolarado como o meio-dia, assim como não num lugar escuro como a meia noite. É uma espécie de ecótono, e por que não dizer uma espécie de indizível, espaço onde nenhuma palavra ainda penetrou


E talvez por isso a minha dificuldade de nomear esse lugar ou esse evento. Já que cada um vive esse momento, esse movimento de uma forma diferente. Já que cada um sente isso de uma maneira singular. Eu lembro de uma tia minha que falava que ter filhos para ela era igual a sabonete. Os “guri” simplesmente escorregavam e choravam. Já uma prima minha falou certa vez que “a sensação era como parir um mundo,” com essas exatas palavras.


Sabe aquela taquicardia? Respiração cachorrinho, essas coisas? Há pessoas que desenvolvem ansiedade generalizada nesse momento. E que momento? Ainda não é o novo mas também já não é mais o velho conhecido e confortável. A sensibilidade fica à flor da pele, as lágrimas já não respeitam mais limites claros, não é preciso ler novos livros para ter novas dúvidas. O tic-tac do relógio nunca anteriormente notado faz suar as mãos de um novato, assim como o já experiente nunca passa sem desespero pela centésima vez ao sonhar o mesmo sonho que é estar caindo de um prédio ou um lugar alto até acordar ao se espatifar no chão - já que nos sonhos não é possível sentir dor sem acordar.


É uma sensação estranha, trêmula. Não a de cair no sonho, isso é moleza, mas falo tal entre. Desse momento, desse movimento interno misturado a uma resma de expectativas que não costumam muito bem respeitar o tal do racional, um síndico novo no prédio.


Não é lá, não é cá, acolá também não é. É aqui, geralmente agora. É incerto, é indigesto o findar do ciclo que nem deu um adeus por completo mas que também se está num ponto donde ainda não se vê os portais do novo já que este fica depois da curva.


Quem rege esse momento ?


Quem é a parteira deste que não aplicou anestesia nem nada ?


É possível não sentir dor nesse momento ?


No término de algo que eu amava ?


Na angústia que é estar diante do nada ?


Na incerteza do porvir que não aceita minhas moedas, minha língua, minha linguagem ?


E não trouxe resposta para nada que eu vivia, pensava e às vezes questionava ?. Quem é essa parteira de ciclos ?


Preciso pagar-lhe um café…


Apresente-se, por favor!


Matheus Fernando é aluno de graduação em Psicologia na Universidade Federal Fluminense.É escritor que transita entre gêneros literários como poesia, crônica, conto, peça, ensaio e artigo.


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