top of page
Buscar
  • Foto do escritorJornal Poiésis

Pandemia: e agora?



Israel Tebet*


Diante da intensa notícia que nos roubou os dias, os planos, enfim, a estabilidade que se mostrou, nessas últimas semanas, mais necessária do que pensávamos, muitas questões são e podem ser colocadas: qual a origem desse novo vírus potente o suficiente para congelar os calendários dos mais lucrativos eventos da atualidade? É necessária tanta urgência como os noticiários aclamam ou o novo coronavírus não passa de um gripe? Até quando ficaremos de quarentena? E a pós-quarentena? 


De todas as questões pensáveis e impensáveis, talvez uma seja indispensável: o quê esta pandemia nos informa? Podemos, por fins pedagógicos, dividir uma possível resposta entre duas nuances: a pandemia nos informa que (a) somos agentes do nosso próprio padecimento  e que (b) é necessária uma reinvenção do modo como vivemos, em relação ao meio ambiente, ao coletivo e a nós mesmos. 


Dessa forma, o colapso produzido pela atual pandemia informa que as consequências do nosso atual funcionamento global (econômico, jurídico, técnico e subjetivo) não se situam apenas no distante futuro de nossos netos e bisnetos: as intensas transformações técnico científicas, o ritmo desenfreado de explorações dos recursos naturais, as necropolíticas que determinam as condições de admissão de quem morre e quem tem direito à vida e todos os absurdos inaceitáveis que aceitamos, por conivência e costume, engendram fenômenos de degradação que ameaçam a própria vida humana. As cenas apocalípticas dos filmes e séries, apesar dos efeitos de ficção, podem estar, sob outras propriedades, mais íntimas e próximas de nós do que imaginamos. Todavia, não se trata de um pessimismo escatológico, tampouco de uma profecia moral; trata-se de constatar que a pandemia, se atentarmos, nos coloca uma questão: até quando nos sustentaremos com este funcionamento insustentável? Quantas mortes e quarentenas serão necessárias para que uma mobilização ganhe consistência?


Ainda assim, o leitor pode questionar: “que mobilização é essa?”, “tem nome, partido ou coisa do tipo?”. De imediato, respondo: não e talvez sim.  A gritante necessidade de reinventarmos uma nova maneira de funcionamento não depende de uma formalização institucional que levante antigas bandeiras individuais de como lidar com a “natureza” - “jogue lixo no lixo, economize água e etc”, apesar de passar por isto. Ao contrário, o que é indispensável para a reinvenção que possibilita uma mobilização concreta e que dê respostas (ainda que parciais) palpáveis às questões que a atual pandemia nos coloca diz respeito a uma ética que, no limite, faça circular saberes e práticas que atravessem o registro ambiental, coletivo e subjetivo ao mesmo tempo. Equivale a dizer que só uma transformação no modo como percebemos a nós e ao mundo pode conceber uma transformação no modo como agimos. Uma revolução ética capaz de modificar a maneira como dispomos as relações de desejo, de trabalho, de convívio e, enfim, de existência é indispensável em tempos em que as máquina subjetivas e coletivas que degradam já se apropriaram dos “eco-discursos”. 


Por isso, não; a reinvenção de um novo modo de funcionamento não depende do registro de um movimento social com nomes e pautas bem definidas, pois esta estratégia já foi incorporada e capturada pelas linhas de produção que hoje vendem produtos degradantes sob o slogan “sustentável”. Ao mesmo tempo, talvez sim, pois é possível que uma revolução ética se materialize e se atualize numa luta pontual que represente e contagie os estratos institucionais (fiscalizações ambientais, leis e códigos de condutas a nível global). Contudo, este é um quadro possível que abrange apenas uma parte da reinvenção (instituir legalmente normas de relações com o socius e o meio ambiente); ele não dá conta dos processos instituintes responsáveis por regular a contínua produção de olhares que o indivíduo produz sobre si e sobre o mundo e, por isso, não é uma condição revolucionária.


Uma articulação entre o domínio ambiental, coletivo e subjetivo, como dimensões distintas porém inseparáveis, pode indicar caminhos ainda não pensados. Uma reorientação psíquica-coletiva que transversalize a educação, os sistema de valores e, neste sentido, também os estratos institucionais e que crie novas possibilidades de sermos em coletivo, aquém das dicotomias identitárias e partidárias, pode abrandar as fantasias apocalípticas que nos assombram hoje. Não se trata de sermos racionais, mas de sermos sensíveis. Mais do que nunca, a pandemia nos alerta para o fato de que não existimos se não em relação e que, mais do que isso, precisamos estar atentos às maneiras pelas quais compomos e tecemos estas relações. 

(Texto 1 - Série “Pandemia: e agora? - Coluna LaSP”** )

*Israel Tebet é Colunista no Lasp, graduando e pesquisador em Psicologia/UFF - Grupo “Individuação, subjetividade e Criação” nos diretórios do CNPq.  Contato: israeltebet@gmail.com


17 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page