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  • Foto do escritorJornal Poiésis

OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO


Geraldo Chacon*

A obra de Érico Veríssimo tem sido habitualmente dividida em três ciclos: I. narrativas voltadas para costumes gaúchos e intimismo.

II. obras com preocupações históricas e sociais.

III. obras com preocupações sociopolíticas, como O senhor embaixador e Incidente em Antares.

A obra que vamos apresentar pertence ao primeiro ciclo, caracterizando-se como regionalista, e nela se faz presente a preocupação com a análise psicológica. ENREDO CONDENSADO Um médico do Hospital Metropolitano pede à irmã Isolda para avisar Dr. Eugênio, na chácara do sogro, em Santa Margarida, que Olívia quer vê-lo. Ela está às portas da morte e tem consciência disso. Eugênio chora no telefone ao receber a má notícia e apega-se a uma esperança: É possível que Olívia se salve. (p.4) Ao sair, tem um momento de covardia, hesita, pensa no que dizer à sua mulher, Eunice, que está lendo no jardim. Alega que é por causa do Ernesto. Ela parece tudo ver: Tu sabes que eu faço questão de não me meter na tua vida. Faze como entenderes. Em todo caso, obrigada pelo aviso. (p.6) No carro, Eugênio quase se confessa com o motorista, pois sabe que pertence mais à classe de Honório que à de Eunice. (p.6) Assim começa o relato com um narrador onisciente, em terceira pessoa, mostra espaços distantes e revela o interior das personagens. Ernesto é apenas um nome do primeiro capítulo, mas logo o leitor vai descobrir no capítulo seguinte que se trata do irmão do protagonista. Também ficará sabendo porque Eugênio se sente mais próximo da classe operária. No caminho, Ernesto vai lembrando sua vida de pobreza e humilhação, seus estudos feitos com grande dificuldade, seu casamento por interesse com a filha do rico Vicente Cintra. Desde o início de sua carreira, Eugênio tornou-se amante de sua colega de curso e de profissão, a calma e boa Olívia, dotada de um profundo sentimento religioso, embora não frequente igreja, nem seja beata. Ela morre antes da chegada de Eugênio, deixando-lhe a filha de ambos, Anamaria, além algumas cartas e uma porção de recordações que vão mudar sua vida.


Eugênio rompe com a mulher rica e com o conforto, dedicando-se à sua filha e ao exercício honesto e digno de sua profissão. Era a noite de 31 de dezembro. Hans Falk olhava com ansiedade para o relógio de cuco. Faltavam dez minutos para a meia-noite. (p. 275) Enquanto, na casa dos Falk, Eugênio comemora com eles e a filha a passagem do ano, o rádio noticia a inauguração do “Megatério”. Eugênio pensa com tristeza que esse edifício foi construído sobre o cadáver da filha do construtor. Pouco depois de meia-noite aparece Dr. Seixas que é convidado por Eugênio a brindar a vida. Mas o velho e ríspido médico com seu jeito pessimista resmunga: Não bebo à saúde dessa vaca respondeu áspero. Cortei as relações com a vida! (p. 279) Depois saem os dois, mantendo uma longa conversa sobre a existência e os problemas da vida. No dia seguinte, Eugênio fica sabendo pelos jornais que Eunice vai casar-se com Acélio Castanho no Uruguai. Pensando em planos futuros de fazer alguma coisa pelos outros, como auxiliar crianças abandonadas, Eugênio sai a passeio com sua filha. Anamaria puxou-lhe a manga do casaco freneticamente. Pai bobo! Pai bobo! Pai booobo! Eugênio baixou os olhos, ainda meio ausente. Hem? Vamos embora duma vez. Os marrecos estão com fome. Ah... E, de mãos dadas, pai e filha saíram para o sol. (p.290) ********************************* ESTILO DE ÉPOCA E ESTILO INDIVIDUAL Érico Veríssimo é um dos autores mais populares do Modernismo no Brasil, estando inserido na segunda fase ou geração, surgida na década de trinta. Por isso mesmo, pode ser denominada “Geração de 30”. Outra denominação que se lhe pode dar é a de Neo-Realismo, pela quantidade de traços estéticos semelhantes. Assim como o Realismo e o Naturalismo, os escritores modernistas da segunda fase valorizam a temática contemporânea e uma visão mais objetiva e crítica das relações sociais. Também valorizam a preocupação com a forma e focalizam o homem vulgar com seus defeitos e covardias, ou seja, em vez do herói romântico que vence, mesmo quando morre, temos o anti-herói, como Eugênio, um menino humilhado e um adulto inseguro. A literatura em prosa desse período marcou-se por um profundo regionalismo e pelo engajamento ideológico, colocando o ato de escrever e a obra literária como arte de combate contra a opressão e a exploração do homem pelo homem. Veríssimo,


através do narrador, chama a sociedade de mundo de lobos, fazendo trocadilho com o sobrenome de Filipe, ao imaginar a reação de todos quando soubessem da gravidez de Dora. Assim como na obra de seu contemporâneo Graciliano Ramos, também na obra de Veríssimo o seu protagonista (anti-herói) é sempre um problema, pois não aceita o mundo, as pessoas ou a si mesmo. O estilo de Veríssimo é sempre tradicional, sério, educado, evitando o uso de palavrão, que fica sempre na insinuação, na reticência. Sua sintaxe é rigorosa, empregando a incorreção apenas no registro da fala de personagens infantis ou incultas, mas não no discurso do narrador. Outro traço peculiar, principalmente nos romances de seu primeiro ciclo, é o profundo mergulho na análise psicológica das personagens, que fez com que o associássemos Machado de Assis, durante o resumo do enredo. Assim como em Vidas Secas e São Bernardo, de Graciliano Ramos, percebemos uma herança da tendência naturalista na atribuição de características animais aos seres humanos. Não há, no entanto, submissão à estética de Zola, pois no Naturalismo o indivíduo é subjugado pelo meio, momento e raça, enquanto Eugênio não se deixa vencer, lutando e se transformando para melhor, tornando-se mais humano e mais íntegro. TEMÁTICA O tema central é a crítica ao crescimento material, econômico, social, sem a correspondente evolução espiritual, moral, humanista. Subjaz também um profundo desejo de que a medicina seja socializada e seja banida toda e qualquer forma de violência e de injustiça social. MEU LIVRO PREFERIRO O primeiro livro que li de Veríssimo foi Clarissa e depois Música ao longe. Depois li a trilogia de O tempo e o vento. Gostei muito de todos, mas delirei mesmo foi muito tempo depois quando li O incidente em Antares. Foi uma leitura corrida porque desejava terminar antes da série que a TV iria lançar, sempre gosto de ler antes, mas nem pude ver a série porque o curso em que trabalhava me colocou para trabalhar todas as noites. Quando puder não deixem de ler esse livro tão diferente de todas as demais obras de Érico Veríssimo. Utilizamos para citação: Veríssimo, Érico - Olhais os lírios do campo, Porto Alegre, 1980, Editora Globo. Contato: geraldochacon@hotmail.com WhatsApp (22)99996-9976 Instagram @professor_chacon

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