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O Vulcão vivo
Atualizado: 22 de ago. de 2021

Matheus Fernando
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Já na primeira vez que tive aula com ela fiquei de boca aberta. “Como assim ela fumava em sala de aula já existindo leis que nos proíbe fumar em lugares fechados?”… Ao mesmo tempo que achava aquilo antiético, fiquei deslumbrado com a cena. E digo deslumbrado por conta do conjunto. Já se deparou com aquelas pessoas de época? Pessoas que parecem se vestir de acordo com um momento histórico, algo tipo década de 80 ou 90 no caso dela. E desde a primeira vez em que a vi, seu jeito me capturou de uma forma singular, engraçada, belo.
Ela adora aqueles vestidos rodados, com bolas, com polígonos, de cores e bem expressivos! Em épocas do minimalismo pragmático que a sociedade tem adotado quanto ao vestir, que cada vez mais engolimos sem questionar, ela não passava pelo polo universitário sem deixar de ser notada. Até mesmo quando ela usava o preto, o branco básico, sempre havia algo no conjunto que destoava. Seja o brinco de pena grande, o salto, o olhar como quem não deve nada para ninguém. Além de achar sempre muito engraçado, sempre me vinham à mente aquelas músicas de filme americano como trilha sonora para a cena. De maneira sempre muito elegante ela passava, para lá e pra cá. Por ser coordenadora de curso com certeza tinha muitos afazeres.
Na medida em que as aulas foram passando fui percebendo algumas coisas. Notei que ela geralmente acendia o cigarro mais próximo do final da aula, quando já tinha cansado de falar, ou talvez quando por algum motivo estava ansiosa. Notei também que ela tinha conhecimento da questão ética, tanto que quando acendia geralmente ficava do lado da janela. Descansava o cigarro com a mão e baforava para fora também, geralmente não adiantava muito mas valia a intenção.
Escorada na janela, mão para fora, cigarro, quadril avantajado, vestido rodado, só tinha um detalhe que esqueci de acrescentar. Para quem não a conhecia com certeza achava que durante as aulas ela estava brigando com alguém, pois ela falava alto, articulava, gesticulava, levantava, sentava, fumava… E que saudade de ter aula com uma professora que xingava, a cena era realmente engraçada. Era apenas uma aula, ela estava apenas explicando um conceito ou falando algo importante, mas estava xingando alguém ou falando algum palavrão.
Ela tinha uma personalidade de fato arrojada. Num tempo onde as manifestações corporais, as manifestações individuais estão cada vez mais padronizadas, cauterizadas e frias ela se mantinha firme. Ninguém mais fala alto, quase ninguém mais bate na mesa, se altera, se permite dizer sua opinião, o que vem à mente naquele momento ou fuma em lugares fechados. Nada que a Vulcão não pudesse questionar. E sorte sua se não falasse algo dentro de sala que ela discordasse, pois com toda certeza ela discordaria e deixaria bem claro, inclusive como se estivesse brigando com você.
Não tinha porém esse tom de briga, só era ela mesmo, com o seu jeitão de lidar com as coisas, com a vida, que por sinal eu adorava. Sabia que - assim como nas aulas do Fábula - eu sempre encontraria um elemento X que me faria sair daquela aula com aquela sensação boa no peito de que a aula foi incrível, que seja por ter rido um pouco, fator esse que geralmente não era pelo conteúdo da matéria.
Até aprendi um pouco sobre metodologias de pesquisa com ela, mas algo que vou carregar para sempre comigo é o botão do dane-se. Aprendi a parar de fazer certas médias para ser aceito por pessoas ou por algum grupo. Viver mais por si e ser menos refém da opinião alheia, quem sabe bater na mesa vez por outra? Se permitir falar alto, passar algumas vergonhas de vez enquanto. Somente parar rir no final? E por que não? Gente padronizada é muito chata. Aquele tipo de pessoa que todo mundo sabe o que pensa, o que vai falar, como vai agir, o que vai pedir para comer e blablablá. Aprendi muitas coisas com ela. Só não tomei gosto pelo cigarro, sim, primeiramente por uma questão moral. Uma discussão particular do que é uma vida boa para mim, mas segundamente porque não suporto bafo de cigarro.
31/10/19
Trecho do livro Os piores professores que já tive.
Matheus Fernando é aluno de graduação em Psicologia na Universidade Federal Fluminense. É escritor que transita entre gêneros literários como poesia, crônica, conto, peça, ensaio e artigo.