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O vale tudo do corpo
Atualizado: 18 de abr. de 2022

Flávia Joss
Dando continuidade às reflexões sobre padrões e estereótipos estabelecidos pela sociedade em relação às mulheres, trago hoje um texto de Carla Pepe. Carioca, poeta, feminista, mãe de uma menina. Pisciana com ascendente em Touro, Lua e Vênus em Áries. Formada em História, trabalha na área de saúde pública. Integrante do Movimento Mundial Mulheres Reais e do Coletivo Literalmente Elas. Tem uma página no Instagram @morenaflor.blog e participa do coletivo poético: @ecoandopoesia.
Qual é o preço que se paga no vale tudo do corpo?
Carla Pepe
Uma notícia me deixou bastante pensativa e apreensiva, uma mulher faleceu por ingerir cápsulas emagrecedoras. Lendo mais profundamente sobre o caso, me deparo com um vídeo de uma médica que diz ter vários casos semelhantes. Pessoas sem problemas de saúde prévios, desenvolvem falência aguda do fígado pela ingestão de chás ou cápsulas de ervas para emagrecer ou mesmo remédios anabolizantes.
Existe problema em tomar remédio para emagrecer? Claro que não, desde que acompanhada por um profissional. Qual foi o ponto em questão para mim: até onde se vai em busca de um corpo padrão? O que se é capaz de fazer para ter um corpo “aceitável” socialmente?
Pelas fotos, a mulher em questão, não era nem de longe gorda. E se olhar para o lado vamos observar muitas mulheres na mesma situação: têm corpos considerados padrões e sentem-se gordas e fazem qualquer coisa para emagrecer. Eu mesma já tomei todos os tipos de remédios para emagrecer. Eu já tomei chá e fiz até simpatias para emagrecer: já quis ter a barriga da minha parede (a gente acredita em cada coisa? risos).
A busca pelo corpo padrão, mesmo com o debate que há hoje em dia, ainda é intensa e tem reflexo, sobretudo, no modo de viver das mulheres. No Brasil, em 2021, o modelo fitness domina a rede Instagram, no entanto, se trouxesse as fotos das revistas dos anos 80-90 para as redes sociais, imperaria as mulheres muito altas e magras. Padrões de beleza são construções culturais e mudam na linha do tempo e é sabido que sua hipervalorização pode produzir distúrbios alimentares e outros problemas de saúde mental.
E qual é outro ponto na questão? A existência de uma ciência que se atualiza no que é interessante ao mercado, que trata obesidade da mesma forma há décadas e que oferece, quase sempre, soluções únicas. Carece modelos de medição como alternativa ao IMC e outros padrões de aferição. O conceito de obesidade mórbida deveria ser repensado, afinal eu pergunto: se obesidade é doença, obesidade mórbida é um pleonasmo, uma vez que a palavra mórbida quer dizer doença.
A quem interessa a ênfase na palavra? Quem são os sujeitos que mais sofrem diante desse cenário? Quem lucra com a nossa insatisfação e baixa autoestima? O mesmo mercado que diz “emagreça”, “medite”, “tome um suco detox”, “faça ginástica”. No entanto, a mesma lógica que nos cobra, não nos ensina como ter autoestima fora de um corpo padrão. Fomos ensinadas a odiar nossos corpos. Tudo cabe no slogan “é pela sua saúde”.
Portanto, é preciso fazer um movimento coletivo de inversão da roda mercadológica, para que nós, mulheres, em especial, possamos parar de fazer de tudo para ter um corpo padrão.
Como mudar isso?
Sob uma perspectiva crítico reflexiva, o olhar a esse corpo labiríntico precisa ser diário. Questionar e se tornar protagonista das minhas escolhas possíveis. E se, por acaso, esse corpo-casa mudar é porque assim o quis, porque a vida é metamorfose. Eu sou a senhora da minha história, coloco a música e me tiro para dançar. Enquanto isso, espero avisar a quem possa me escutar: autoestima não está à venda nas cápsulas de supermercado, tão somente você é capaz de se amar.
Flávia Joss (@flaviasjoss2_) é escritora, professora de Língua Portuguesa e Literatura, especialista em Gêneros textuais e Interação. Possui cursos de aperfeiçoamento nas áreas de Arte& Espiritualidade, Escrita Criativa