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  • Foto do escritorJornal Poiésis

O membro perdido - Crônica

Atualizado: 3 de ago. de 2020



Matheus Fernando*


Durante séculos e mais séculos vivemos sem um membro importantíssimo de nosso corpo: o celular.


Chego duramente a essa conclusão sem titubear. Percebi isso esses dias quando saí de casa para algum lugar e esqueci as chaves mas não esqueci o celular. Quando esqueço o celular é como se estivesse nu embora esteja vestido. Que doido perceber que esse artefato inutilmente útil virou quase que uma extensão do nosso corpo.


O mais interessante é que não se trata de um membro comum, acessível, daqueles membros visíveis ao sol. Trata-se de um membro daqueles bem escusos. Um daqueles membros que pouquíssimas pessoas tem acesso e que geralmente traduzem nossas inseguranças, nossos gostos mais particulares e até nossa personalidade. Quase ninguém pode tocá-lo, ter acesso ao meu eu facetado, que ninguém conhece. Minha galeria, minhas redes sociais e por aí vai ...


Protuberância de pelos! Deixo eles crescerem livremente sem preocupação com uma beleza estética e política de hospitalidade ou raspo tudo sem deixar espaço para sua subjetividade ? Essa é uma das muitas perguntas - quando penso em axilas e outras zonas mais erógenas - que surgiram na vida das pessoas sobretudo quando pulamos a linha da amarelinha que separava o século XX do século XXI. Exatamente na mesma época em que esse membro começou a ser selecionado em todo o mundo.


Quando ressalto o celular como novo membro do corpo humano, sim, trago a baila a seleção natural proposta por Charles Darwin. A intensiva proposta pelo biólogo é um mecanismo evolutivo em que o organismo mais adaptado a viver em uma determinada área e em um período de tempo é selecionado.


O celular foi o nosso membro selecionado mais recente. Ainda mais se levado em conta tudo que ele representa. Tudo isso com a constante virtualização do mundo principalmente com o advento da internet e todas as múltiplas facilidades e os milhares de mercados que o virtual trouxe a existência.


Vejo que esse novo membro traz consigo o mais alto nível da idiossincrasia humana em nosso corpo do que em qualquer outro membro. Retenho nele minhas maiores virtudes e meus piores demônios. É realmente importante ter senha nele. Só espero que ele não seja realmente aberto num telão de led no dia do Grande Julgamento. Meu celular, minhas regras. Só confesso que vou achar estranho quando começar a crescer pelos nele.

Matheus Fernando é aluno de graduação em Psicologia na Universidade Federal Fluminense. É escritor que transita entre gêneros literários como poesia, crônica, conto, peça, ensaio e artigo.


matheusfernando.contato@gmail.com


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