Jornal Poiésis
O melhor cigarro que já provei (Crônica)
Atualizado: 13 de jul. de 2020

Matheus Fernando
Recentemente aconteceu algo muito engraçado. Como numa comum manhã de quarentena, o mundo derretendo em caos, crise humanitária, pré colapso da economia brasileira e crise política. Temor para uns, alegria para outros com uma possível deposição do atual presidente da república devido aos novos casos e fatos revelados pela mídia sobre um provável maquínio nas últimas eleições. Esse é o cenário nacional e mundial. Já o cenário regional seria eu com fome me encaminhando até a padaria mais próxima para comprar 1 kg de feijão, o pó de café que tinha acabado e 2 pães doces para tomar um café da manhã.
Devidamente protegido com máscara no rosto e álcool gel me esperando em casa, ciente da minha responsabilidade para comigo e para com o mundo que me cerca, me dirigi até a padaria. O protocolo era o de sempre, “moça me vê dois pães doces...”
Até que um possível outro esfomeado que fora comprar pão e estava atrás de mim fumando me cedeu o único cigarro que fumei em minha adolescência. Como se estivesse literalmente entrado num túnel do tempo, fui catapultado para minha adolescência dos 11 aos 16 anos de idade quando trabalhava com Vanimar.
Um pedreiro coroa que fumava mais que aquelas fábricas antigas de fazer tijolo. Trabalhei minha infância quase toda para ele como servente de pedreiro. Não por necessidade ou imposição por parte dos meus pais, mas porque queria ter meu próprio dinheiro mesmo. E se há uma coisa que o velho fazia com prazer era fumar. Eu chegava às 7 da manhã na obra e já sabia... “Vai lá e compra um maço de Plaza Pequeno em dona Maria para mim.”
Era cerca de um maço por dia. Quando ele estava ansioso além da conta, um maço e meio. E todo dia eu alertava: “Oh, isso aí é morte lenta, hein.” E todo santo dia ele rebatia: “Mas eu não tenho pressa pra morrer.” Eu gargalhava e logo em seguida a labuta do dia começava.
Comecei ganhando o equivalente a 15,00 por dia - 7,50 no caso, já que trabalhava na parte da tarde depois da escola. De cavar sapata, passando por reformas de telhados até rejuntes, fazia de tudo um pouco. Recordo-me do ódio que eu tinha quando subia três lances de escada para levar um balde cheio de massa e ele dizia com aquela bituca de cigarro ordinária na boca: “pode voltar, a massa está mole!”
É claro que eu descia resmungando e xingando a vida como todo menino pirracento de 13 anos de idade. Até o momento em que ele gritava lá de cima: “E se ficar reclamando vai bater outro traço de massa antes do almoço!” Tudo bem! Logo aprendi a resmungar baixinho.
O tipo de serviço que eu menos gostava e que por acaso o velho mais pegava era reformas. Que ranço que eu ficava quando ele justamente pegava um banheiro de 2 metros quadrados para reformar! Era obrigado fumar com ele enquanto rejuntava o piso. E olha que eu nem sentia o prazer que ele sentia com aquele poder entre os dedos, ficava só com a parte cancerígena mesmo.
O velho era chato! Reclamava de tudo. Nada que eu fazia estava bom. “A massa está mole, peneira isso direito, se enrolar mais vai ficar depois da hora.” E quando eu estava quase no portão: “Pode voltar para lavar as ferramentas todas!” Às vezes a vontade que eu tinha era de esfregar uma lixa daquelas na cara dele, nem décimo terceiro o chaminé me dava no final
o ano.
O tempo foi passando, eu fui crescendo e ele fumando sempre. O serviço era puxado, mas eu me divertia. Daquelas épocas que tudo era motivo para riso, bons tempos. Eu fui com o tempo criando responsabilidade, a ter horário para as coisas. Com o tempo ele foi me ensinando sobre caráter e a valorizar meu próprio serviço. Não foi uma nem duas vezes que a gente chegou na obra e quando eu estava descarregando o carrinho de mão, lá vem ele. Com cara de invocado e um cigarro na boca já pelo fim...
- Vão bora Matheus! Dizia ele com cara de invocado.
- Mas eu nem descarreguei o carrinho todo. Dizia eu ainda com remela no olho.
- Meu preço é X, se quiser pagar tudo bem. Se não quiser pagar, dana-se. E saía
xingando o dono da casa igual eu quando voltava com a massa mole.
E nessa de relembrar sobre meus dias de pedreiro mirim com a sacola de pão na mão,
e o cheiro de um bom plaza pequeno no cérebro, o dinheiro do pão caiu e a fila na padaria só aumentava.
- Desculpe, isso que você está fumando é um Plaza Pequeno?
- Sim, tá servido?
- Não, eu não fumo.
- Então como sabe?
- Nossa! História longa. Você conhece Vanimar?
Matheus Fernando é aluno de graduação em Psicologia na Universidade Federal Fluminense. É escritor que transita entre gêneros literários como poesia, crônica, conto, ensaio e peça