- jornalpoiesis
O grão seco

Salomão Sousa
Eu gostaria de desistir de estar presente
e tudo me convida a me secar,
a me afundar nas certas valas animadas,
a incluir um silêncio, uma desistência
que não consiga suportar o vapor
navegante sobre o líquido horizonte
Vou me integrando como um camundongo
à toca quente, quando devia ser a antena
à espreita sobre o telhado, ao sol inclemente,
e não suporto me disfarçar, andar com amarras
nas pernas para que não saibam
que me assula a comediante busca
Eu gostaria de não ter uma proposta
e tenho de negar a minha pele à estridente lâmina
E tenho de entregar à minha língua
a resposta com a incumbência de desmentir
Ter de diferir do amigo. Só o raio solar
não exige resposta, e ainda assim o grão seca.
Salomão Sousa é poeta, mora em Brasília-DF.
Foto: Marc Kleen/Unsplash