Jornal Poiésis
O feriado depois do almoço

Matheus Fernando
Eu tenho para mim que depois do almoço deveria ser feriado. E isso por um motivo bem claro... depois do almoço é feriado, clássico. Aquela depressão básica, baixa potência, fim de carreira.
Por vezes cheguei a imaginar terem posto algum tipo de sonífero em minha comida em virtude de tamanha pasmaceira. Conversando sobre isso com um amigo médico, ele começou a querer teorizar falando uns termos esquisitos, prandial, insulina, glucagon e eu sem entender quase nada, claro, amarrei o assunto!
- Feriado! Pontuei com a segurança do Senhor do tempo.
- Hã? Perguntou ele confuso.
- Feriado. Depois do almoço é feriado mundial. Nunca ouviu falar? Não te ensinaram isso lá na medicina?
Ele sem entender muita coisa concordou com a cabeça com uma expressão de quem tem que ceder diante da voz da sabedoria, prima da verdade. Um jovem rapaz começando a carreira, tem muito o que aprender ainda.
Lembro do querido professor Walter de Neurociências falar em suas aulas de seu período na Espanha em prol do doutorado. Ele falou que lá os espanhóis fazem um momento chamado siesta, onde inclusive os estabelecimentos da cidade fecham suas portas cerca de duas horas pós almoço para esse momento, deixando bem claro também ,depois de citar um monte de hormônios, que só não podia dormir. Era para deitar numa rede e esperar esses hormônios passarem.
Já não concordei. Cada um faz do seu feriado o que bem entender. Eu por vezes durmo. Um cochilo de leve, para repousar do que foi a guerra do almoço. O Walter também veio da medicina, não podemos nos esquecer. Esse povo da medicina é cheio de regras e mandamentos. Tudo engorda ou faz morrer.
Tenho amigos da área mas não fico perto deles durante muito tempo. Sempre acho que eles têm um bisturi ou um enchimento no bolso daquele jaleco mórbido branco para aplicar em mim a qualquer instante.
Nunca confiei em alguém que queira impor algo sobre o feriado dos outros. Deus deu um feriado para cada um. Uns vão chamar de siesta, outros de hormônios, outros de “cinco minutinhos”… Para mim, se trata de mais um feriado diário. E que precisa ser respeitado, claro.
Já vi pessoas passarem mal por desrespeitá-lo. O feriado é sagrado. Precisa ser reverenciado. Só acho uma pena não ensinarem isso nas faculdades. Um conceito tão básico da ciência e do comportamento humano. Séculos e mais séculos de adaptação como diria Charles Darwin. Enfim, não vejo a hora do próximo feriado, pretendo dormir ele todo.
Matheus Fernando é aluno de graduação em Psicologia na Universidade Federal Fluminense. É escritor que transita entre gêneros literários como poesia, crônica, conto, peça, ensaio e artigo. matheusfernando.contato@gmail.com