- jornalpoiesis
O famoso jogo da sedução diante de meus olhos míopes

Matheus Fernando Faz muito tempo que eu não ia num show. Um show de música. E show de música boa, com estrutura, equipamentos, músicos de ponta, daqueles shows que dá gosto de ouvir. O último que fui aconteceu há uns seis ou sete anos, foi o Loop Session Friends. Composto por ninguém menos que Mauro Henrique, Leonardo Gonçalves e Eli Soares. São quase que 3 ícones dentro do universo “gospel” – digamos – inclusive fora de tal bolha também, sobretudo por sua técnica vocal e destreza com um violão ou uma guitarra na mão.
Ao se juntarem para fazer um som aleatório, que virou uma turnê nacional, era realmente um evento ver o que os 3 faziam juntos no palco. Na época que consegui assisti-los foi no Teatro Bradesco na Barra da Tijuca – RJ. Sendo que no último final de semana eu findei este recesso de shows indo assistir dois deles que aconteceram na minha cidade. O Sesc está fazendo um festival que se chama Sesc Verão na Região dos Lagos, trazendo muitos cantores bons e bandas, tudo gratuito, em diversos pontos da cidade.
No último final de semana eu fiz força para ir ver algo, já que é perto da minha casa. Eu lembro que já tive vigor e ânimo para programas assim, bons tempos. Fui no show daquelas meninas, tal de AnaVitória. Conhecia o refrão de duas músicas apenas, mas foi legal. No dia seguinte fui no show da banda Lagum, que curti mais, tinha mais a minha cara, o vocalista era meio “doidão”, me identifiquei logo. Havia um metal formidável – no show das meninas também havia metal – mas com eles a guitarra era mais livre para improvisos, o que para mim é essencial.
Foi quando eu percebi uma coisa curiosíssima que faz muitos anos, inclusive, que eu não via acontecer – e nesse momento eu notei o quanto estou ficando velho e fora do mercado - que era um certo frisson durante o show por parte dos adolescentes, dos jovens. Ao ver algumas cenas eu lembrei que eventos assim, na verdade são uma excelente desculpa para ficar, encontrar o crush, troca de saliva, amasso, pegação, flerte, bolete, chiclete – não sei qual é o termo que se usa hoje em dia.
Outro detalhe, shows como esses são muito próximos, parecidos com aqueles shows de rua, de baile. Aquele clima de comunidade mesmo, sabe? Onde os mais descolados seguram meio copo de cerveja, de plástico, sobre a latinha sem que o líquido caia, já viram essa cena? Pois é, como faz muito tempo que não via esse cenário, além de curioso achei muito engraçado.
O ser humano, trabalhando, em seu instinto mais primitivo possível, quase como numa savana caçando, indo ao encontro de sua presa. Eles andavam em bandos de 3, 4 ou 5 no máximo. Ver essa cena ao vivo me fez lembrar do meu ensino médio, das histórias que meus colegas baladeiros contavam, de suas peripécias nos rolê de final de semana nas casas de show em São Gonçalo como Capone, Caneco 90, Nova Show, Caranguejo, I9 Music, entre outras.
A faixa etária dos bandos dos shows que fui eram múltiplas, havia desde os mais novinhos, coisa de 15 anos de idade. Até os mais velhos, algo em torno dos trinta e alguma coisa. Ambos os sexos, para lá e pra cá, andando, conversando, cochichando, olhando na tela do celular, rindo. E a alegria do encontro, do reconhecimento da possível presa? E o brilho nos olhos? A juventude e sua vitalidade é uma benção!
Mas a melhor cena eu vi quando fui ao banheiro químico. Olha, eu fui pouquíssimas vezes nesses eventos, com essa pegada de show de rua assim, confesso. Mas das poucas vezes que fui em algum, o banheiro químico ainda era daqueles azuis, pequenos, já viu desses? Daqueles que você tinha que fazer um esforço danado para não encostar em nada de tão imundos. Os banheiros do show que fui nesses dias eram tipo trailers, tinham ar condicionado, fio dental, enxaguante bucal e tudo. Para quem não tem ar condicionado em casa, olha!
Foi quando na fila para o banheiro eu vi a melhor cena da noite, aquele mar de gente. Alguns poucos êxitos depois de muito custo, de muito tempo e investimento, depois de muito hablar, a famosa habilidade de ludibriar com a fala, com a língua, essa esquiva salutar, o discurso no pé do ouvido que afasta os desenrolados de habilidade dos precoces iniciantes, o momento de ouro tão disputado: o beijo. Aquele escorado no muro, aquela tão boa e ansiosa troca de bactérias. Aquele cena que contraria Isaac Newton quando ele afirma que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. Aquela mão boba escorregando pelas costelas com destino aos países baixos da Europa, desejo de muitos, sucesso para poucos. A juventude meus caros... ah, a juventude! Matheus Fernando é Psicólogo e escritor que transita entre os gêneros literários como poesia, crônica, peça, ensaio e artigo.
matheusfernando.contato@gmail.com
Foto: John Price