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O carnaval dos outros
Atualizado: 13 de mar. de 2022

Flávia Joss
“E um dia, afinal
Tinham direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia
Que se chamava carnaval
O carnaval, o carnaval.
(Chico Buarque)
Dia desses, conversando com um amigo de Recife, amante das festas carnavalescas, revelei que nunca havia pulado carnaval. Sua surpresa estampou-se na voz, “Você não gosta?”, perguntou. Como gostar ou não de algo que ainda não experimentei?
É provável que você também se espante com essa revelação, está tudo bem, já estou acostumada. Carnaval para mim sempre foi sinônimo de feriado prolongado, descanso, viagem. Assim, de modo contrário, eu fico admirada pelo apego das pessoas por esse período do ano. Observo de longe a magia que o carnaval exerce sobre elas, vejo o brilho em seus olhos ao falar dos desfiles, dos blocos, das pessoas travestidas em suas fantasias... Sinto-me como alguém que está numa cobertura, ou em qualquer lugar alto, vendo por outro ângulo e compondo imagens. Penso nos 361 dias de trabalho nos barracões, no investimento financeiro, nos ensaios, no sonho das pessoas e em tudo o que envolve esses 4 dias de festa e de expurgo. O que foi feito de tudo isso na pandemia? As reflexões que o exercício de pensar e escrever propõe e que deixo para você, caro leitor.
Lembrei-me de uma crônica meio bizarra, O bebê de tarlatana rosa, que li no livro Dentro da Noite, de João do Rio:
— Oh! uma história de máscaras! quem não a tem na sua vida? O carnaval só é interessante porque nos dá essa sensação de angustioso imprevisto... Francamente. Toda a gente tem a sua história de carnaval, deliciosa ou macabra, álgida ou cheia de luxúrias atrozes. Um carnaval sem aventuras não é carnaval. Eu mesmo este ano tive uma aventura...
E pela primeira vez me dei conta de que eu não tenho uma história de carnaval, embora tenha a cabeça recheada de histórias dos outro, o que me renderia ótimas crônicas. Não enchi a cara, não fiz sexo com um desconhecido, não me fantasiei, não saí no cordão do Bola Preta nem no Galo da Madrugada, não desfilei na Sapucaí e nada disso me fez falta. São quatro dias nos quais tudo é permitido, dias de liberdade, libertação, libertinagem, digo sem julgamento, é apenas uma constatação.
Talvez eu não tenha aptidão para essa festa popular, porém, se um dia eu resolver experimentar, quero estar em Recife, porque meu amigo me disse “Você não pode passar pela vida sem passar pelo carnaval daqui”, eu ri e pensei “quem sabe?”.
Flávia Joss (@flaviasjoss_) é escritora, professora de Língua Portuguesa e Literatura, especialista em Gêneros textuais e Interação. Possui cursos de aperfeiçoamento nas áreas de Arte& Espiritualidade, Escrita Criativa
Foto: Jonathan Borba/Unsplash