Jornal Poiésis
Negra esperança
Atualizado: 8 de fev. de 2021

Flávia Joss
Ontem à noite, enquanto assistia a um programa na televisão, durante o intervalo vi o anúncio publicitário de uma importante marca brasileira de cosmético. Ele apresentava várias mulheres negras, belas, fortes e diversas. Achei lindo, comentei com meu marido que vivemos um tempo de mudança e vislumbre de um mundo antirracista.Mas hoje, em pleno dia da Consciência Negra, ao ler as notícias pela manhã, fui assaltada com um soco no estômago. Um homem negro foi espancado até a morte dentro de uma unidade de uma rede famosa de supermercado. Mais um corpo negro estendido no chão.
Será uma antítese contemporânea? Enquanto vemos um número cada vez maior de negros ocupando espaços que outrora eram reduto apenas de brancos, ao mesmo tempo atitudes racistas ainda são uma nódoa na sociedade. Será que a certidão de óbito do povo preto foi decretada nos navios negreiros? Até quando o sangue que tingia a roupa dos nossos antepassados nos alcançará? Se um preto se descuida, a morte é certa, alvo certeiro para as “balas” que vêm de tantos lados.
Contudo há vozes ecoando e estão sendo ouvidas. É preciso uma pitada de fé para temperar o cotidiano e ver desmoronar, ainda que devagar, as muralhas da opressão, do racismo, da discriminação. As pequenas fagulhas também aquecem o coração. Vou finalizar a crônica de hoje com um fragmento do poema Cremos, e assim como nos ensinou Paulo Freire, precisamos aprender a ter esperança, do verbo “esperançar”.
“Cremos
O anúncio do milagre
Estará acontecendo.
E na escritura grafada
Da pré-anunciação,
De um novo tempo,
Novos parágrafos
Se abrirão.”
Esperancemos!
NOTA
¹ Conceição Evaristo, fragmento, in Poemas de Recordação e Outros Movimentos