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  • Foto do escritorJornal Poiésis

Não lugar

Atualizado: 16 de nov. de 2020


Flávia Joss


Por ocasião da Consciência Negra, comemorado no próximo dia 20, novembro se tornou o mês da luta antirracista e de valorização da cultura afro-brasileira. Durante muito tempo brincadeiras preconceituosas fizeram parte da cultura e eram encaradas com muita naturalidade. Com o passar dos anos o movimento negro ganhou força e visibilidade. Novos debates se abriram a respeito do uso de determinadas palavras ou expressões de cunho racista. Começamos a entender o que é o racismo estrutural e assim, tivemos que ressignificar o que é ser negro. Sou filha da miscigenação, não posso dizer que sofri racismo por causa da cor da minha pele. Porém, conheci a ponta afiada das palavras dos brancos que debochavam do meu cabelo. Sonhava com cabelos louros e lisos, colocava a toalha sobre a cabeça, e nos meus devaneios infantis, ela representava meu cabelo de propaganda de xampu, longo, brilhoso, sedoso e liso. Não havia representatividade na publicidade para negros e mestiços. Hoje os tempos são outros, mas a luta é contínua, sempre haverá o que ressignificar.


Não lugar

Pela alva, cabelo crespo

Mestiça sim, como muitos brasileiros.

Tenho em mim as marcas da diversidade

Orgulho, conhecimento, identidade.

Mas não foi sempre assim...

Quando menina as piadas de mal gosto me incomodavam,

Comparações e músicas maldosas era feita pra mim:

“A menina do Salgueiro esticou o cabelo pra ir passear

Deu uma chuva de vento, o cabelo encolheu

E voltou pro lugar”

Queria que minha mudez fosse entendida

Eu não achava nenhuma graça

As pessoas riam e eu ficava confundida.

“Escapou de branco, preto é!


Era preta para o lado branco da família

Para o lado preto, branca era.

Meus cachos não tinham valor

Queriam a todo custo me branquear

“Esse cabelo é ruim, não pretende alisar?”

No final da adolescência um mundo se abriu

Meu cabelo entrou na moda

Nessas bandas do Brasil,

Produtos apropriados

Salão especializado

Um luxo sempre sonhado

Ao alcance das minhas mãos.

Hoje o mundo está mudado

A beleza aceita outros padrões

Branco, preto, indígena

Em todas as suas cores e variações.

E apesar de todas as conquistas

Ser mestiço é o não lugar,

Um limbo, uma incerteza

Julgada com o olhar.

Na certidão de nascimento qual é a minha cor

Já que pardo é papel

E branco também não sou?


Flávia Joss é Professora de Língua Portuguesa e Literatura, especialista em Gêneros textuais e Interação. Possui cursos de aperfeiçoamento nas áreas de Arte& Espiritualidade, Escrita Criativa e Poesia Falada.

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