Jornal Poiésis
Morte sobre minhas costas - Poesia
Atualizado: 26 de jun. de 2020

Matheus Fernando*
Averiguei quantas mortes constavam em minhas costas durante essa poesia
No be-a-bá nenhuma.
Ando de máscaras
Álcool gel pra lá e pra cá
E ninguém pode dizer que fui negligente quando falaram para eu ficar em casa.
Mas nem todos podem
Alguns fogem
Furam a quarentena
E eu não os julgo, já que a fome das crianças não alivia
E isso independe se o nosso presidente tem ou não pena.
Quarentena no Brasil é quase uma piada
Se ainda tem gente que morre por não ter água encanada.
Morte sobre minhas costas?
Eu que de cabelinho arrumado vou pra padaria?
E o morador de rua que sempre foi escória?
E o menino preto da favela que antes da pandemia já era impedido de ir pra escola?
Morte sobre minhas costas
Como diz minha querida Lispector
“Sinto a dor do mundo”
E ultimamente ela tem pesado sobre minhas costas.
Número de mortes que triplica, quadruplica
Multiplica, exponencialmente replica-se
a cada hora.
Medo,
Medo que minha avó seja a próxima nessa fila indiana
que todos caminhamos e pouco pensamos,
chamada morte.
Morte, inúmeras mortes
sobre minhas costas.
E olha que eu fiz direitinho o dever de casa
E quando eu achei que poderia sofrer em paz
A morte daqueles da minha família que nessa pandemia foram embora ...
Não posso, pois mesmo com a faculdade parada
Alguns professores decidiram passar trabalhos e provas.
Mortes sobre minhas costas
E por mais que eu racionalize
Não funciona...
Eu sinto, cara!
O menino João, que durante a pandemia estando dentro de casa,
Pela polícia foi mandado ir embora.
Embora dessa para outra,
Morte sobre minhas costas.
Sinto todos os dias antes de dormir
Sinto quase todos os dias ao levar o garfo até a boca
E os números se multiplicando pela ausência de uma política que previna toda essa discórdia...
E lembrar que era só uma gripezinha
Gripezinha essa que só no Brasil já matou mais de cinquenta mil
E de casos confirmados já passamos de um milhão
O tiro escapou pela culatra
Pelo rojão,
De lideranças, Ideologias, bíblia distorcida, chefe de estado
que só bancou o vacilão.
Me pergunto sobre como esse povo dorme
Sobre as costas deles?
Morte sobre minhas costas
É isso que sinto.
E por mais que eu não queira
É o que hoje respiro...
Matheus Fernando é aluno de graduação em Psicologia na Universidade Federal Fluminense. É escritor que transita entre gêneros literários como poesia, crônica, conto, peça, ensaio e artigo.
matheusfernando.contato@gmail.com