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  • Foto do escritorJornal Poiésis

MAIO LARANJA

Atualizado: 16 de mai. de 2021


Flávia Joss

Por ocasião do Maio Laranja, mês de reflexão, mobilização e combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, apresento uma crônica que se encontra em meu livro Histórias e Memórias, publicado em janeiro de 2021. CONSELHOS Quem nunca ouviu a expressão “Se conselho fosse bom a gente vendia”? Às vezes damos conselhos os quais acreditamos que não serão seguidos e somos surpreendidos quando alguém os segue. A história que eu vou contar é sobre isso: um conselho seguido que fez com a vida de uma menina ganhasse um rumo inesperado, e por que não dizer, feliz. Ano de 2007, uma turma de 1º ano do Ensino Médio, um dia dedicarei uma crônica a essa turma tão especial que marcou minha carreira. Mas hoje, essa breve narrativa é sobre Nina, menina de sorriso largo e gargalhada escandalosa, cabelão na cintura e muita, muita coragem.

Nina falava alto, era engraçada, posteriormente percebi que esse jeito era uma estratégia para esconder a tristeza que sua vida lhe reservava longe dos olhos e da agitação dos colegas de escola.

Dias de prova são sempre assim, todos enfileirados, silêncio... à medida que vão terminando, entregam e saem, e assim a turma vai se esvaziando. Vi Nina com a prova virada, porém não entregava, quando o último aluno, enfim, deixou a sala, ela veio em minha direção. Nessa época, eu já havia perdido um pouco da inocência dos primeiros anos de magistério, ficou nítido para mim que ela queria, na verdade, conversar. Algumas frases, ainda que comuns, em determinadas situações soam como palavras mágicas, que quando proferidas, abrem um portal para outra dimensão. Minha interlocução foi bem simples “Tudo bem?” Eis o meu “abracadabra”. Portal se abrindo, mergulhei na dimensão do outro, terra que ninguém vê.

Minha menina queria dividir seu mundo comigo. Voz firme, embora pudesse contemplar o medo em seus olhos. “Sou molestada pelo meu padrasto.” Levei um soco no estômago. Perguntei se já tinha conversado com sua mãe. “Minha mãe não acredita em mim.” Sugeri que buscasse ajuda, procurasse o Conselho Tutelar e me dispus a conversar sempre que precisasse.

A história de Nina martelava em minha cabeça. Umas semanas depois dessa nossa primeira conversa ela trazia uma novidade, o Conselho Tutelar averiguou o caso, sua mãe com raiva, a expulsou de casa. Pensei “que droga de conselho eu dei pra essa menina!”, “Vou abrigá-la em minha casa.” Só que Nina era bem mais forte do que eu imaginava... saiu e achou abrigo na casa de um parente. Não esmoreceu. Levou a situação dos abusos que sofria às últimas consequências. Caso de polícia, julgamento na justiça. Mudou de casa, mudou de família, mudou de vida. Acompanhei Nina nas séries seguintes. Amadureceu tão rápido. Começou a trabalhar e foi morar sozinha, construir uma vida que era só dela, na qual ela pudesse ser a protagonista, uma princesa, uma mulher, uma Maria.

Não faz muito tempo a encontrei nas redes sociais, continua linda! Não sei se continua gargalhando escandalosamente, contudo parece mais feliz. É advogada, faz trilha, acho que tem uma vida saudável. Aprendeu a se defender. Um ouvido, um conselho dado de graça, apenas isso.

Flávia Joss (@flaviasjoss_) é escritora, professora de Língua Portuguesa e Literatura, especialista em Gêneros textuais e Interação. Possui cursos de aperfeiçoamento nas áreas de Arte& Espiritualidade, Escrita Criativa

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