Jornal Poiésis
Humor, esperança e compaixão

Camilo Mota*
O isolamento social provocado pela pandemia do covid19 tem trazido à tona uma série de reflexões e revelado comportamentos que ora chocam ora nos alimentam de esperança. Esse movimento de contradições diárias pode ser bem aproveitado quando percebemos o quanto estamos nelas envolvidos e se estamos nos permitindo sair da acomodação que nos impede de enxergar a nós mesmos e as demais pessoas sem o filtro de nossos medos e falsas convicções.
Uma amiga psicanalista me chamou a atenção para o fato de que as pessoas estão sendo o que sempre foram durante a quarentena. Quem tem propensão aos estudos está fazendo todos os cursos online que encontra; quem é voltado para o conhecimento de si mesmo está mais interiorizado; e quem é mais ansioso está numa luta diária para redescobrir seus movimentos. Complemento tal raciocínio incluindo o fato de que também está acontecendo uma potencialização de afetos. Nesse sentido, narcisistas e perversos estão gozando como nunca. Ambos se conectam ao negacionismo com toda a força de seu desejo. É o caso, por exemplo, de quem se nega a usar máscaras ou o faz de maneira desleixada (não percebem que seu uso é para a proteção de todos, e não apenas sua). Há também os que tripudiam da morte, fazem piadas infames enquanto mais de mil pessoas morrem diariamente vítimas de um vírus que é real e que representa, entre outras coisas, o descaso que a humanidade tem tido com o bem estar de todos e do meio ambiente que compartilha. Afinal, o planeta é nosso lar comum.
Mas também há muita esperança em movimento quando testemunhamos tantas pessoas atuando em ações solidárias. E ainda os que buscam interagir uns com os outros, usando para isso a tecnologia, criando pequenos núcleos de produção de saber.
A sociedade de consumo nos habituou a criar laços de afeto com objetos, alimentando desejos que muitas vezes nem precisamos. Convivendo com tanto supérfluo, acabamos acreditando que tudo aquilo era essencial. Quando deixamos de ter esse objeto, sentimos o peso da abstenção, e como viciados perdemos a noção de que o que verdadeiramente temos e sentimos é apenas o sujeito que somos. Conviver com a própria subjetividade é o grande desafio desses dias atuais. Dias que passarão, e que demandarão ainda mais força para reconhecermos a singularidade das pessoas e a importância do coletivo na condução de nossos desejos.
É um tempo difícil para muitos. Manter o bom humor é necessário, desde que não se torne escárnio, mas alegria de se estar vivo. É preciso cultivar a esperança, sem que esta nos cegue diante da realidade crua que se nos apresenta. E, sobretudo, cuidarmos de sermos compassivos, pois a dor é muita, e é preciso respeito com o luto alheio.
Crédito da Foto: Fotomovimiento/Fotos Públicas
*Camilo Mota é psicanalista e terapeuta holístico. Site: www.camilomota.com.br.
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