Jornal Poiésis
Gente chapada
Atualizado: 8 de set. de 2020

Matheus Fernando*
-“Está tudo bem com você? - Pergunta o irmão mais novo, aspirante a psicólogo de
primeiro período.
- Sim, claro! Comecei no emprego naquela empresa que tinha comentado há pouco
tempo, vai rolar. Enfim consegui trocar de carro. As coisas estão fluindo novamente -
responde Venâncio.
- Ok, mas você ainda não respondeu a minha pergunta! Perguntei sobre você. Como você
está? Está tudo bem?
- Então, não sei se você sabe mas eu reabri minha matrícula da graduação que tinha
trancado no início do ano passado, joguei para o turno da noite. Aos poucos estou
voltando a ativa. Você sabe que o último ano foi bem difícil - suspirante de cansado
Venâncio se denuncia.
Depois de mais algumas tentativas Fernandinho, o caçula de quatro irmãos de uma matilha que teve que se virar desde muito cedo sem a presença dos pais em suas vidas, desiste. Tendo percebido que esse ranço de se definir pela produtividade - muito bem herdado dos pais - estava impregnado no olhar que o constitui, na forma como ele se relacionava com os outros.
Ele ainda não estava pronto. Pronto para se acessar, pronto para admitir algumas dores tamponadas de anos roubados de sua infância. Um jovem cotidiano. Realmente uma pena.
Gente chapada de atividades, gente que produz, gente que mostra resultados, planilhas e mais planilhas. Só não conseguem olhar muito tempo para o silêncio, para o espelho. Indigentes de si e para si. Sangue escorrendo pelas folhas de suas histórias, história adentro.
*Matheus Fernando é aluno de graduação em Psicologia na Universidade Federal Fluminense. É escritor que transita entre gêneros literários como poesia, crônica, conto, peça, ensaio e artigo. matheusfernando.contato@gmail.com