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  • Foto do escritorJornal Poiésis

Existir demanda estar presente?

Atualizado: 21 de set. de 2020


Giovanna Mauro


Nos últimos meses, a justiça brasileira e suas façanhas têm feito parte do grupo de assuntos mais comentados e discutidos do momento. Não é de hoje que os brasileiros se confrontam com escândalos de corrupção, membros da política agindo de má fé e a formação de milícias entre as principais notícias dos jornais. Devido a isso (e com razão), parte significativa da população acredita que os órgãos judiciais não funcionam como deveriam de fato.


Pois bem. Para falar de justiça, acredito que seja necessário, antes de qualquer outra coisa, retomar a definição filológica dessa palavra. Justiça vem do latim justinia, que por sua vez vem da palavra justus, também do latim, que faz menção à aquilo que é justo, correto, dento da lei. Assim, deveria ser possível concluir que a justiça e todo o poder Judiciário no Brasil deveriam ser instrumentos que garantissem a equipolência perante a lei, para que assim houvesse o cumprimento do justo de forma igual por todos, certo? Errado.


O sistema carcerário brasileiro pode se tornar um excelente exemplo quando o assunto é a atual situação de crise nesse setor que, supostamente, deveria garantir a igualdade entre todos os cidadãos.


Um levantamento feito pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), no ano de 2016, mostrou que 40% das pessoas presas no Brasil, quase a metade, ainda não foram julgadas em primeira instância, o que mostra um possível uso excessivo de mandatos prisionais no país. Junta-se a isso os casos de indivíduos que foram mantidos em cárcere por engano (confusões com homônimos, por exemplo) e a hipocrisia de alguns juízes e promotores na ocasião do julgamento, que muitas vezes favorecem réus possuidores de mais dinheiro e poder, concedendo-lhes uma série de vantagens na sentença final, o que claramente não acontece em relação aos menos beneficiados financeiramente.


Diante de tais (e de tantos) equívocos, o que a população brasileira deveria esperar desse órgão?


Recorrendo à uma análise interdisciplinar, pode-se formular, aqui, uma comparação entre os diversos órgãos que compõem a justiça brasileira com Agilulfo, o Cavaleiro Inexistente do livro Il Cavaliere Inesistente escrito pelo italiano Italo Calvino. A obra retrata a história de um cavaleiro que, assim como o setor judiciário do nosso país, está aqui, mas não existe. Todos sabemos onde é o seu lugar e quais deveriam ser as suas funções, mas, na prática, ele está ali na mesma proporção em que não está. Ambos (Agilulfo e a Justiça) deveriam existir, mas, ao invés disso, são apenas figuras retóricas, que não conseguem (e, às vezes, simplesmente não querem) compreender a realidade (acompanhada, consequentemente, dos seus problemas) que os circunda, pois são isentos da percepção de uma existência muitas vezes deplorável ocasionada pelas desigualdades sociais e econômicas, tanto na Franca do século 8 da personagem literária, quanto no Brasil do século 21.


Crio então uma alegoria que denomina a Justiça brasileira e tudo o que dessa faz parte como um cavaleiro em sua armadura. Em razão da sua aparência resistente e forte, ele fornece a esses que o veem a sensação de segurança e de proteção, porque são levados a pensar que, em caso de perigo, serão amparados, defendidos e ajudados pelo indivíduo. Quando então a verdadeira ameaça aparece, as pessoas vão de encontro ao aclamado cavaleiro justiceiro, em busca da correspondência às expectativas criadas por eles previamente. Porém, quando se levanta, enfim, o elmo percebe-se que ele está, na verdade, vazio e que toda a garantia de proteção em que todos creram não se passava de uma mera expectativa sobre algo que na verdade nem ao menos existia.


O Poder Judiciário brasileiro e Agilulfo existem, mas não estão presentes (com exceção de certa parcela dos indivíduos que pode comprar a justiça para si).


Giovanna Mauro é graduanda em História na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Se interessa pelas conexões entre História e Literatura. Escreve periodicamente sobre Cinema.

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