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Etnografia na área do saneamento
Atualizado: 24 de out. de 2021

Francisco Pontes de Miranda Ferreira
A etnografia é um recurso importante para trabalharmos a área da saúde e do saneamento. Com a etnografia o pesquisador ultrapassa os aspectos técnicos, geralmente privilegiados na área do saneamento, e acrescenta padrões culturais, valores, significados, relações, que são de extrema importância para o desenvolvimento de políticas para o setor. Assim privilegiamos as redes sociais e as condições de vida e ambientais do território, visando o pesquisador colaborar na direção da justiça socioambiental e da sustentabilidade ambiental. Realizamos, portanto, um exercício interpretativo da percepção de perto e de dentro e levantamos aspectos que muitas vezes não são percebidos pela própria comunidade e o poder público. Trata-se de um tipo de aproximação apropriada para a complexidade da sociedade contemporânea em que acontece um processo de ocupação do território marcados pelo caos: crescimento desordenado sem o desenvolvimento das estruturas básicas como saneamento e de ruptura: quando estruturas e modos de vida são rapidamente substituídos. Fatos que provocam a desintegração e o desencaixe social e cultural e novos padrões de significados aparecem na vida social (DALMOLIN, LOPES e VASCONCELLOS, 2002). Ressaltamos, portanto, os diversos arranjos sociais e institucionais construídos por uma sociedade apartada e ambientalmente insustentável em que novos significados surgem em resposta à padronização imposta pelo poder econômico e político e essa reflexão etnográfica torna-se muito útil para setores como o saneamento. Estas são algumas das preocupações que o pesquisador etnográfico deve ter no campo da pesquisa.
Incorporar o campo como um espaço que não está dado, que vai tomando sentido, se singularizando a partir do mergulho, das possibilidades criadas pelo conjunto (pesquisador e pesquisados) no decorrer da pesquisa, é elemento central em pesquisas dessa natureza e um desafio para o pesquisador. Esse processo sinuoso e complicado é um exercício que requer tempo, sensibilidade e muita paciência, principalmente para suportar a ansiedade de quem aprendeu a negociar individualmente com o(s) seu(s) sujeito(s) de pesquisa (DALMOLIN, LOPES e VASCONCELLOS, 2002: 34).
A disponibilidade do etnógrafo de mergulhar no universo pesquisado torna-o familiar e integrante da comunidade investigada em que realiza uma observação participativa em que colaborará com transformações sociais. O mapa mental da pesquisa é formado por um conjunto de movimentos e vivências e pela relativização das projeções pessoais sobre as experiências vividas (MILHO e SILVA, 1995). Privilegiamos na pesquisa etnográfica as histórias cotidianas onde escolhemos os detalhes que consideramos relevantes. Buscamos compreender os significados e os fluxos presentes no território e muitos deles são criados pelas comunidades como possibilidade de sobrevivência. Muitas vezes, os marginalizados são induzidos a reproduzirem uma posição de fraqueza política, criada de forma discriminatória pela elite e assim aceitam viverem em espaços degradados e com ausência de serviços básicos como saneamento. No entanto, grupos sociais marginalizados também constroem novos significados e consequentemente novas realidades alternativas como resposta à discriminação socioespacial. Em nossas pesquisas etnográficas procuramos dar voz a essas alternativas vindas dos excluídos.
Referências
DALMOLIN, B. M., LOPES, S. M. B. e VASCONCELLOS, M. P. C. A Construção metodológica do campo: etnografia, criatividade e sensibilidade na investigação in Saúde e Sociedade Vol. 11, 2002.
MILITO, C. e SILVA, H. R. S. Vozes do Meio Fio. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995
Francisco Pontes de Miranda Ferreira é Jornalista (PUC Rio) e Geógrafo (UFRJ) com mestrado em Sociologia e Antropologia (UFRJ), pós graduação em História da Arte (PUC Rio), pós-graduação em Desenvolvimento Territorial da UERJ Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, membro do conselho editorial do Jornal Poiésis..