top of page
Buscar
  • Foto do escritorJornal Poiésis

Essa terra, esse homem




Gerson Valle*


No momento em que os livros mais vendidos são voltados à autoajuda, pretensos misticismos, romances chavões de “policialismo” repetitivo, inconsequentes modismos que adornam as relações de uma sociedade fútil, eis que encontro a 29a edição do romance “Essa terra”, de Antônio Torres, da Editora Record em 2018, que escapa a todas essas classificações, tendo uma originalidade e uma narrativa complexa, apontando para uma reflexão séria sobre realidades sociais, humanas de nosso Brasil. Seu lançamento se deu em 1976, e percorre, além de tantas edições brasileiras, traduções pelo mundo (França, Alemanha, Itália, Holanda, Inglaterra, Estados Unidos, Israel, etc.) Lembra-me do fenômeno do livro de Poesia “Eu” de Augusto dos Anjos (1912), que numa linguagem até meio científica, de um realismo cru contrário ao parnasianismo tornado de uma obviedade conformista pequeno-burguesa que dominava a leitura poética brasileira de quando foi lançado, no entanto veio a repetir reedições sobre reedições até os dias de hoje. Ambos são nordestinos, Augusto dos Anjos da Paraíba e Torres do sertão da Bahia. Como se a terra com as dificuldades climáticas e econômicas, de injustiças e situações melindrosas, moldasse a firmeza de personalidades a canalizar empatias. Qualquer que seja a razão, o triunfo literário de “Essa terra” de Antônio Torres prova que a Literatura de qualidade, que traz uma renovação à necessidade estética e reflexiva do ser humano, mesmo ante tanta mediocridade dominante, continua a ser necessária.


“A terra” é exatamente a primeira parte (as outras duas são “O homem” e “A luta”) de “Os sertões” de Euclides da Cunha. É por ela que um analista de formação literária naturalista, como ele, pôde demonstrar as características de seus habitantes. O Naturalismo atingiu um realismo que necessitava a comprovação pragmática para a qualificação científica. Superadas escolas e tendências de época, entretanto, este princípio continua prevalecendo querendo-se compreender as injunções trazidas nos usos, costumes, tradições de qualquer lugar. Mesmo longe do Naturalismo como escola literária, o sertanejo ainda aí está preso à aridez e pobreza do solo, acabando por degastar as relações familiares, como ocorre no romance. O pós-modernismo de Antônio Torres admite muitas composições em sua narrativa, criada de forma mosaica, com os “flashbacks” dos modernismos e todas as alternâncias de multipercepção simultânea de fatos e personagens. Ao se referir à “essa terra”, o autor a coloca carregando “esse homem” dali, e, em sua dificuldade de sobrevida, “essa luta” (tal como nas três partes euclidianas) contra as dificuldades locais aumentadas pelas decorrentes da exploração econômica do domínio vindo de fora. Como o banco que empresta para o pai do narrador fazer uma plantação obrigando a que seja de sisal por interesse alheio, que nada dá, e ele tem de pagar a dívida com sua própria casa. O irmão do narrador tenta fugir “dessa terra”, carregando suas mazelas para o sul (São Paulo), acabando por ter de voltar e não vendo solução à vida, acaba consigo mesmo. Diga-se, como atenuante, situação contrária a de Antônio Torres, que saiu de Junco (o mesmo nome da “terra” do romance) e ganhou São Paulo, o Brasil, Portugal e o mundo com um notável sucesso literário, que o levou a membro da Academia Brasileira de Letras. Se o narrador do romance, Totonhim, tem alguma coisa do próprio Antônio-autor, ele demonstra que a máxima euclidiana, do “sertanejo ser um forte”, ainda continua a prevalecer, sobrevivendo a toda adversidade com uma cordialidade que o situa na mais refinada educação e altruísmo de quem sempre traz consigo o aprendizado inteligente e a esperança.


A edição citada ainda traz um Posfácio de ótima análise do texto, de autoria da Professora de Literatura Brasileira na Faculdade de Letras de Lisboa Vania Pinheiro Chaves, apontando, dentre outras familiaridades com a nossa realidade histórica, social e literária, a universalidade da obra: “As personagens principais do relato não se reduzem a representações típicas do sertanejo”. “A sua grandeza é a da condição humana....” “Essa terra”, de Antônio Torres, é uma obra-prima que mantém a necessidade da Literatura quando ela parece esgaçar-se... Gerson Valle é poeta e escritor, membro da Academia Petropolitana de Letras, onde ocupa atualmente o cargo de presidente.

25 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page