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Entre o encantamento e o descaso: a natureza, a religião e a ciência



Lourdes Belchior


Há milhares de anos, muito antes dos homens aglutinarem seus conhecimentos e os chamarem de ciência, a relação homem e meio ambiente era bem diferente. A natureza era admirada como fonte de vida. Era a partir dela que a sobrevivência da espécie humana, que vivia da caça e da coleta, estava garantida. Porém, a mesma natureza que fazia brotar um alimento, também tinha seu lado “impetuoso”.


Furacões, terremotos e outras intempéries climáticas ameaçavam a vida e causava temor. Diante do desejo de garantir a segurança do grupo, muitos dos nossos antepassados ambicionaram entrar em contato com as forças divinas que regiam a natureza. Com esse intuito, os primeiros rituais e oferendas aconteceram e adquiriram funções sociais, pois a crença compartilhada tinha o poder de unir os homens e torná-los humildes diante de tamanha força.


Em determinadas culturas, o sol, o vento, o mar, o dia e a noite, por exemplo, passaram a ser representados, ou até mesmo personificados, por deuses e deusas. Tais divindades poderiam ter aparência de homens ou de animais, afinal acreditava-se que todas as formas de vida tinham uma essência divina. Essa relação, religiosidade e natureza, variava de grupo para grupo e de lugar para lugar. Mas, de modo geral, a natureza era respeitada e idolatrada. Dos cultos ligados a ela surgiriam as primeiras religiões.


No decorrer de milhares de anos, novas crenças surgiram. Algumas deram maior destaque às interpretações ligadas à metafísica como: a origem do universo e a vida após a morte. Na Idade Média, a natureza perdeu seu status divinizado. Além disso, cultos de exaltação a ela eram compreendidos como bruxaria.


Com o advento da industrialização e a valorização dos discursos científicos, muitas sociedades se distanciaram sentimentalmente da natureza, que passou a ser percebida como fonte de desenvolvimento econômico e acumulação de riquezas.


Atualmente, perdemos a intimidade que tínhamos com ela. Poluímos as águas que bebemos e sobrecarregamos a terra, produzindo necessidades fúteis e consumistas, puro descaso. Além disso, nosso planeta está se tornando um complexo de monoculturas transgênicas e agrotóxicas, que nos deixam doentes, em prol de interesses comerciais, muitas vezes, internacionais. A agricultura, ligada à comunidade, está fadada a desaparecer.

E, como se não bastasse, a ganância e a violência, vem matando os povos da floresta, em um verdadeiro ciclo colonialista, etnocida e ecocida. E, ainda, encontramos pessoas felizes com tamanha crueldade.


Independente de religião ou apreço pela ciência, temos que nos reconectar e nos apequenar diante da natureza. Afinal, o cálculo é simples: tirem todos os homens da terra, e a natureza sobreviverá. Tire a natureza dos homens e eles não sobreviverão. Nosso planeta é uma dádiva.


Lourdes Belchior é professora, mestre em História, membro da Academia Araruamense de Letras.


Foto: Salome Kok

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