Jornal Poiésis
Encontro de quarentena

Flavia Joss*
Com a flexibilização da quarentena, aos poucos, vamos flexibilizando também, com muita responsabilidade, os reencontros. Quanta saudade daquele papo ao vivo, cheio de risadas, acompanhado de pizza e banhando a vinho!
Era uma sexta-feira, com máscaras no rosto e álcool em gel em punho, seguimos para a casa de um amigo, Matheus Fernando, que por acaso, também é escritor. No cardápio, além das gargalhadas que são de praxe, estava a queridíssima pizza e o insubstituível vinho. Mas o dono da casa não havia comprado nossa bebida, saímos então, a procura de alguma loja que o vendesse gelado.
- Que vinho eu compro? - perguntou meu amigo que não sabe o que é beber um bom vinho... um bebedor não confiável, sabe...
Não sou nenhuma sommelière ... fiquei constrangida por pensar em sugerir Galiotto ou Pérgola. Lembrei-me das minhas últimas experiências com vinhos chilenos... Em uma delas, depois de algumas taças que eu não consigo contabilizar, vomitei o banheiro chique da casa de uma amiga. Na outra, depois de nada mais, nada menos, que uma taça e meia, amanheci de ressaca. Você há de convir comigo que, se é para ter ressaca, que seja bebendo uma quantidade digna.
- O que você está acostumado a beber? – perguntei sabendo de sua inexperiência de cachaceiro.
Disse que tomou um vinho rosé maravilhoso, cujo nome é Mateus (não era piada) e, coincidência ou não, o encontramos num depósito e estava gelado. Seguimos felizes. Nosso reencontro seria como nos velhos tempos quando acreditávamos que a quarentena não duraria tanto tempo.
Conversa vai, conversa vem, e nada da pizza chegar. A fome aumentando, já não conseguíamos rir tanto, o papo foi diminuindo, o silêncio ameaçava entrar... quando finalmente uma moto anunciou que nossos problemas gastronômicos estavam prestes a serem resolvidos. Arrumamos a mesa, as palavras voltaram a circular e pegamos a garrafa de vinho.
- Cadê o saca-rolhas?
- Não tenho, mas esse é de rosca.
Quando tiramos o lacre, surpresa! Precisávamos de uma saca-rolhas. Eram 23h, nos poucos apartamentos que estavam ocupados, os vizinhos (idosos) já se recolhiam. Eu não poderia sair de lá, depois daquela saga, sem degustar aquela delícia. Minha frustação deve ter ficado estampada na cara porque nosso anfitrião passou a mão na garrafa e desceu as escadas. Em quinze minutos, ele estava de volta, e para a minha sorte, com a garrafa aberta. Assim, finalizamos nosso encontro. A pizza, apesar de gostosa, ficou meio fria, é verdade, porém o vinho, estava simplesmente, maravilhoso!
(julho de 2020)
*Flávia Joss é Professora de Língua Portuguesa e Literatura, especialista em Gêneros textuais e Interação. Possui cursos de aperfeiçoamento nas áreas de Arte& Espiritualidade, Escrita Criativa e Poesia Falada