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  • Foto do escritorJornal Poiésis

DURVALINA



Foto: Igreja de N.S. de Nazareth (Camilo Mota)


Ivo Marins*


“Se veio com boas novas venha, mas se não veio, volta e vai dizer ao seu dono que não encontrou nem a mim e nem ninguém da minha família”.


Até hoje me pergunto qual seria a origem desse dito popular que a minha mãe sempre dizia quando um inseto (besouro, marimbondo, borboleta...) sobrevoava ao nosso redor ou entrava dentro de casa. Muitas vezes achei engraçado, ria e até zombava, mas ao longo dos tempos aprendi a respeitar porque entendi que existia uma seriedade no pronunciamento dela e suas palavras eram ditas com muita crença e fé para proteger a sua família de algum agouro, mau olhado, inveja ou até mesmo da dita cuja: a morte.


Durvalina (minha mãe) era uma mulher ingênua, de coração puro, de quase nenhum estudo, mas de uma grande sabedoria espiritual. Viveu numa Saquarema que não existe mais e com total certeza posso afirmar que não saberia viver nos tempos atuais...


A sua fé em Nossa Senhora de Nazareth era inabalável. Não era uma mulher de igrejas, mas a sua fé no poder milagroso da Santa a ajudou a enfrentar todos os obstáculos da vida e a criar os seus oito filhos com muita dignidade. Conversava com a Santa todos os dias: de manhã, na hora do almoço, antes de dormir e sempre que saíamos pedia a Santa para nos proteger. Nas festividades católicas dificilmente ela ia, mas sempre pedia um favor aos filhos: “Crianças vocês vão à festa de Nossa Senhora? Vocês vão acompanhar a procissão? Então me façam um favor, tragam para mim uma flor benta (benzida)”. Fazíamos isso, pois sabíamos que era importante e que ela ficaria esperando para colocar num cantinho do seu quarto, junto com os santos, espaço construído para ela rezar. Neste espaço, fortalecia a sua fé e nenhum obstáculo enfrentado na vida, nem as forças da natureza a faziam esmorecer. Quando os ventos estavam se formando e a tempestade estava por vir, chamava todos os seus filhos e reunia todo mundo na sala. Ela pegava as pétalas secas das flores benzidas, as colocava num prato de alumínio, ateava fogo para formar um incenso, ia para o lado de fora e ao mesmo tempo em que espalhava o incenso, conversava com a Santa: “Nossa Senhora, leva essa tempestade para o fundo do mar, proteja a sua “ilha” minha mãe, proteja os seus filhos”. Voltava para dentro de casa na certeza de que a tempestade ia embora e que todos nós estávamos protegidos. No fim da tempestade éramos liberados para tomar banho, comer alguma coisa e dormir.


A minha mãe sempre acreditou no poder da conversa (oração) que tinha com Nossa Senhora, a vida toda dialogou com a Santa, dizia que Nossa Senhora nunca deixou de atender um pedido feito por ela...


Alguns anos se passaram, Mathias (o meu pai) com a saúde muito fragilizada, respirava com a ajuda de cilindro de oxigênio e várias vezes precisou ser internado no hospital. Todos pensávamos que ele não conseguiria voltar mais para casa, exceto a minha mãe que dizia: “Mathias vai voltar, Nossa Senhora vai trazer ele pra casa”. De fato, durante muitas vezes ele voltou, foram idas e vindas e sempre que voltava a minha mãe abria um longo sorriso, estendia as mãos para o céu e agradecia: “Obrigado Nossa Senhora!”. Mas, a vida tem início, meio e fim, sabemos disso. Um dia ele foi e não voltou. Para a tristeza de todos nós, a vida dele neste plano se encerrou. Todos ficamos tristes, choramos o luto, mas seguimos em frente. Porém, algo muito importante mudou naquela casa: não presenciávamos mais as conversas da nossa mãe com a Santa. A sua fé inabalável estava fragilizada. A minha mãe, no momento de dor e de saudade do seu Amor e num gesto de rebeldia, decide parar de falar com Nossa Senhora, ficou de mal, ficou decepcionada com a Santa: “Ela me decepcionou, eu pedi, implorei para Mathias voltar. Ainda estava forte, novo, podia viver mais alguns anos, mas a Santa não me ouviu, não ajudou o seu pai. Não sou mais amiga de Nossa Senhora. Não quero mais conversar com ela”


Nesse momento eu fiquei tão emocionado com o que ela falou e já muito fragilizado com o falecimento do meu pai que decidi ter uma conversa séria com ela: “A senhora está sendo egoísta, ingrata, mal agradecida. Durante a nossa vida toda fomos protegidos por Nossa Senhora e agora que ela não atendeu o seu pedido a senhora não gosta mais dela? Isso não é justo! Papai viveu o tempo que deveria viver e muitas vezes quando achávamos que não sobreviveria ele saía do hospital e voltava pra casa. Nossa Senhora sempre atendeu os seus pedidos. Você vai colocar uma roupa agora que nós vamos à igreja e você vai pedir perdão a Santa”. Choramos muito porque estávamos em luto pelo falecimento do meu pai, chamei o meu irmão e fomos em direção a Igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazareth. Chegando à Igreja, a minha mãe teve uma conversa séria com a Santa, pediu perdão a Nossa Senhora, entendeu que era o momento do meu pai partir, perdoou a sua AMIGA de uma vida inteira e fomos embora.


Dois anos depois a vida neste plano se encerrou para ela, deixando todos nós com o coração partido, mas muito gratos a Nossa Senhora de Nazareth por ter nos dado a honra, o privilégio de ter vivido com esse ser humano tão lindo.


Que saudade eu sinto desse Ser na minha vida! Me fazia rir com as suas manias e me acolhia em seus braços quando eu adoecia. Que Amor puro, ingênuo eu sentia todos os dias ao lado dessa Mãe. Te amo, sua pimenta!


*Ivo Marins é orientador educacional na rede municipal de ensino de Araruama



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