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  • Foto do escritorJornal Poiésis

Dormindo nas Redes Sociais



Gerson Valle


Os índios brasileiros dormem confortavelmente suspensos no ar pelas redes. O herói sem nenhum caráter Macunaíma, segundo Mário de Andrade, relaxando seu corpo moldado na rede, suspira constantemente a consequência de tanta comodidade: “Ai, que preguiça!”


Modernamente, as redes se tornaram sociais, e moldam todas as energias de nosso intelecto na comodidade da rapidez da comunicação e passagem de toda forma de conhecimento, reflexão, sentimento do mundo... E todos, macunaimicamente, parecemos só suspirar nossas preguiças!


Às vezes tento refletir sobre tais contradições. Por que, no momento em que a tecnologia nos possibilita dispor de um imenso arsenal de informação, preferimos desconhecer as análises à mão, para apenas nos interessarmos pelas sínteses mais reduzidas, acentuando opções óbvias, de um caráter mesmo tendencioso, para facilitar a compreensão primária?

Pior: podendo conhecer qualquer fonte de conhecimento e transmitir qualquer texto filosófico, literário, científico, de qualquer espécie de técnica, filmes inteiros de cinema, obras de arte, e toda espécie de experiência humana, preferimos nos restringir a comentários de duas ou três frases, filminhos que não ultrapassem três minutos, discursos rapidinhos sem maior profundeza?

Ontem, sexta-feira da Paixão, sabedor de tanta preguiça nos meus “amigos” (e esta expressão, em si, é de uma generalização simplificadora característica deste meio de comunicação) do facebook, apesar de dispor de algumas versões completas da notável “Paixão segundo Mateus”, de Bach, e saber que a sua divulgação poderia de fato me comunicar amigavelmente a muitas pessoas, tendo a consciência que ninguém a iria assistir na íntegra, resolvi apenas postar o seu primeiro número, de uns 11 minutos e de uma beleza transcendental, numa interpretação hoje clássica. Fora uma “curtição” de antes de se completarem os 11 minutos da postagem, e um agradecimento de uma pessoa mais honesta e outra mais ligada à Música, ninguém mais curtiu, comentou ou compartilhou...

Por que ninguém lê um romance se postado em facebook? Ninguém vê um filme na média de suas duas horas? Nem mesmo um capítulo de algumas páginas, ou um comentário de uma fala filmada maior que alguns minutinhos? Esta preguiça é comum na vida de todo mundo hoje em dia? Quase ninguém mais lê um romance, então? Nem mais se interessa por cinema, artes, música de concerto, concatenações de ideias e conhecimentos que exijam mais que uma premissa, uma conclusão sem demonstração científica, construção mais elaborada?

Ou o meio impõe a “leitura” de tantas manifestações “amigas” em suas vaidades e saudações redundantes, que se tem medo de se parar mais tempo em um só, e assim, se isolar das modas de uma sociedade simplesmente mundana? Tem-se medo da seriedade e consequências lógicas da reflexão e conhecimentos mais aprofundados? O que se quer é espichar o corpo na rede, e se queixar da preguiça?

Mas, as consequências acabam por tomar forma na própria sociedade moderna. A simplificação leva a posições extremistas, mentirosas (por se moldar a interesses dos extremos), briguentas... Sem visão mais larga por não aprofundar conceitos de várias tendências, perde-se a concepção da alteridade necessária à compreensão do mundo e, por conseguinte de si mesmo.

As redes acabam moldando idiotas, como já previra Umberto Eco. E pior, fascistas prontos a terminar com o mundo, por não existir mais interesse cultural pela sua produção e significado. Por matar todo sentimento. Pelo gosto exclusivo das modas, vaidades, frasezinhas de conveniência limitativas, fora de uma verdadeira cosmovisão. A riqueza armazenada pela internet, de tão grande, nos acachapa e nos coloca reduzidos a afirmações sobre o que vemos na ponta de nosso próprio nariz. Com muita preguiça. E só!


Gerson Valle é poeta e escritor, membro da Academia Petropolitana de Letras.

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