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Dor de dente

Matheus Fernando
Desde pequeno ouvi minha mãe falar sobre como é ruim ter dor de dente. Inúmeras vezes a vi, inclusive, com o dedo em riste afirmando que a pior de todas as dores é a dor de dente. Como eu ainda não experimentara aquilo que ela falava, concordava para evitar a fadiga e por respeito. Eu ainda sou de uma época em que ser mais velho ainda era sinônimo de mais conhecimento, de mais experiência e isso tinha que ser respeitado.
Anos depois, nessas duas últimas semanas para ser mais preciso, testifiquei dessa afirmação que ouvi desde minha tenra infância. Por causa de um siso que estava dando o ar de sua graça lá nos cantos do fundo, no lado esquerdo inferior de minha arcada dentária.
E como o filho do cão dói! É definitivamente diferente de tudo que eu já provei nessa área. Já quebrei os 2 pulsos quando mais novo, infância agitada. Já caí da traseira de caminhão ao pegar carona em sua traseira, já cansei de cair de bicicleta, até dirigindo carro já bati…
Mas nada! Nada disso me desestabilizou tanto quanto nas últimas duas semanas em que o tal do siso começou a nascer. Ele vem apontando uma dor que desce pelo pescoço e vai até o último fiapo de cabelo da cabeça, é uma dor estridente, sacana para não falar palavrões mais baixos.
Hoje em dia ainda tem uma modinha de que temos que arrancar o desgraçado do siso. Já deixei bem claro para os mais próximos que não vou arrancar, a não ser que ele faça uma rebelião entre os demais dentes e sua permanência se torne realmente inviável. Porque do contrário, vai ficar.
Alguns dentistas metidos a historiadores dizem que não precisamos mais deles porque noutras eras, há milênios atrás quando não tínhamos facas nem nada do tipo, nós rasgávamos a comida com o siso, pedaços de carne, tipo homem das cavernas mesmo. E que por não fazermos mais isso, não usarmos mais o siso temos que tirar.
Alguns até afirmam que existem algumas crianças que já não nascem mais o siso, que aos poucos isso vai se tornar apenas um resquício evolutivo. Tipo a lei do uso e desuso de Lamarck, seleção natural do Darwin essas coisas …
No meu caso não vou tirar porque eu uso ele para comer pipoca. Não há dente melhor para quebrar aqueles milhos de pipocas semi estouradas mas que é mais difícil de quebrar o milho, sabe qual é? Então, no que depender de mim, minha descendência continuará com siso e é algo que eu quero manter na tradição da minha família.
Ninguém tem que poder dizer o que eu posso, devo ou não fazer com um dente que nasceu dentro da minha boca. Está doendo agora para ele nascer? Demais! Bendita eram as afirmações de minha mãe. E é exatamente por isso que quero manter, já está doendo mesmo, já estou passando pelo parto para ele nascer e não vou usufruir do meliante? Que seja para enfeite. Um enfeite que só eu vou ver na hora de escová-lo. Mas é meu, eu pari! Tenho direito sobre ele. E tenho dito!
Matheus Fernando é aluno de graduação em Psicologia na Universidade Federal Fluminense. É escritor que transita entre gêneros literários como poesia, crônica, conto, peça, ensaio e artigo.
matheusfernando.contato@gmail.com