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  • Foto do escritorJornal Poiésis

Discriminação simbólica nos territórios


Francisco Pontes de Miranda Ferreira


Sempre que forças populares representam uma ameaça ao poder hegemônico, trabalha-se o medo: fato que vem se repetindo na história. A mídia tem um papel fundamental nesta “fabricação” do medo. Assim ocorre um pacto entre a política de exclusão presentes nos territórios de exclusão com os aparelhos repressivos e a ausência de interesse na construção da justiça socioambiental. A demonização da criminalidade, colocada como produto das comunidades carentes, fortalece os instrumentos de controle social e a discriminação. Desta forma, justifica-se a violação constante dos direitos humanos em nome da “segurança”. Está tática é utilizada contra os favelados e os semterra e teto do Brasil, os imigrantes e os afrodescendentes da Europa e dos Estados Unidos e os camponeses e indígenas da América Latina. A mesma tática usada contra os escravos. “A massa negra, escrava ou liberta, se transforma num gigantesco Zumbi que assombra a civilização, dos quilombolas ao arrastão nas praias cariocas” (BATISTA, 2003: 21). A violência é trabalhada no campo simbólico para ser legitimada. No lugar de se enfrentar a pobreza e a desigualdade que atinge milhões de pessoas. A difusão do medo tornando-se assim indutora das políticas autoritárias.


Em 1853, Salvador foi palco de fortes revoltas e repressão que se dirigiam contra os escravos rebeldes organizados e contra os terreiros religiosos, com destaque para a Revolta dos Malês. Após essa revolta, facilmente derrotada pelas forças armadas oficias, criou-se um clima de histeria em Salvador. O “orgulho étnico” dos africanos era grande ameaça, especialmente destacada pela elite baiana. Os rumores sobre a possibilidade de uma nova revolta provocaram extrema agressividade contra os negros e suas manifestações culturais. A luta por hegemonia no poder inclui, muito além de medidas políticas, os aspectos simbólicos cuidadosamente trabalhados. Desta forma, personifica-se uma oposição entre civilização (branca, ocidental, cristã) e a barbárie. Qualquer reunião de negros era motivo de repressão violenta na Salvador daquele período. Fatos semelhantes são diversos, como a revolta dos quilombolas em Vassouras em 1838 liderada por Manoel Congo. Criou-se uma onda de medo em todo o Vale do Paraíba e na verdade não havia qualquer possibilidade real de uma vitória dos escravos diante das forças armadas do Império. Assim como as medidas de controle e segurança são também justificadas e intensificadas. No entanto, a própria escravidão não era questionada. Nestas medidas inclui-se uma construção do inimigo como o “outro”, alguém de fora e desqualificado. Assim são tratadas as pessoas das favelas: “incultos, “perigosos”, “ignorantes”. O nível do imaginário ganha importância nas lutas por hegemonia política. O sentimento de superioridade está embutido na desigualdade e o espetáculo da necessidade de lei e ordem faz parte das sociedades hierarquizadas. Nem o fim da escravidão, nem a construção da República romperam com essa lógica e o comportamento da polícia contra os pobres e negros é prova disso (BATISTA, 2003). Podemos, portanto, destacar o papel da construção simbólica nas territorialidades socioambientais forjadas. Enquanto que nas comunidades existe desemprego e subemprego em massa, despejo de lixo de forma incontrolada, esgoto correndo a céu aberto, falta de drenagem segura, a repressão e o controle social são incrementados assim como a discriminação em que os moradores das comunidades são considerados incultos, violentos e incapacitados. As sociedades hierarquizadas evitam o encontro com os “outros”. Assim criam-se espaços altamente espetaculares em que o pobre só deve comparecer para trabalhar. Repete-se nas cidades a lógica da casa grande e da senzala, do quarto de empregada ou da casa do caseiro. Fatos acompanhados de um conjunto simbólico extremamente forte e trabalhado pelo poder.


Referência

BATISTA, V. M. O medo na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003.


Francisco Pontes de Miranda Ferreira é Jornalista (PUC Rio) e Geógrafo (UFRJ) com mestrado em Sociologia e Antropologia (UFRJ), pós graduação em História da Arte (PUC Rio), Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, membro do conselho editorial do Jornal Poiésis. É diretor da Arcalama Serviços de Comunicação (www.arcalama.com.br).

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