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  • Foto do escritorJornal Poiésis

Devir laranja

Atualizado: 12 de nov. de 2021



Matheus Fernando*

Já virou quase uma religião. Depois de todo almoço é sagrado! Chuparei duas laranjas. Adquiri esse hábito no iniciozinho da pandemia… uma vez que tenho um sério problema de alergia, e o vírus presente passando a foice no povo certifiquei-me que preciso estar com o sistema imunológico mais armado.

Sendo que nem sempre eu lembro de comprar, apenas quando acabo de almoçar já que preciso chupar duas laranjas. Mas tudo bem. Fui ao mercado, comprei umas 3 apenas, e por que apenas 3? Para eu me obrigar a ir no mercado novamente no dia seguinte e sair um pouco de casa senão minhas pernas atrofiam

O que aconteceu foi o seguinte. Descasquei a primeira e a danada estava seca, estéril. Já fiquei chateado, queda de potência. Ok, vamos para a próxima. Descasquei a segunda e a mesma também estava estragada, sem suco, era só um projeto de laranja, sobrou apenas uma.

Eu juro que tinha esperança mas um leve ceticismo já me abraçava e a angústia de não poder chupar uma laranja naquele pós almoço. Eu sou daquela geração pós roça, que não sabe descascar uma laranja. Como o povo das antigas, sabe? Que descascavam em rodeladas sem perder o fio da meada?

Pois é, sobraram poucos remanescentes com esse talento e evidentemente que eu não sou um deles. Destruo a laranja quase toda, como o que sobra depois da tentativa de descasque. E naquela situação, eu com fome de laranja, depois de duas tentativas - que já se mostram para mim com uma dificuldade natural - frustradas e um ceticismo austero que já havia possuído meu ser, fui para a última vivente das 144 mil testemunhas entre as laranjas, uma vez que o mundo já está próximo do fim.

E como suspeitava, nada de laranja. O sentimento foi de indignação. Frustração diante de um desejo que me consumia somado à expectativa do descasque. Fiquei o resto do dia como quem tem uma pedra no sapato. E percebi que por vezes assim é a vida. Uma laranja sem suco. Uma tentativa frustrada de consumir aquilo que meu gosto, meu ideal me jurava que era possível.

“Mas seria só ir no mercado e comprar mais laranjas, não?” Eu também pensei assim. Contudo, não podia. Aquelas foram as laranjas do dia. Basta a cada dia a sua própria laranja. Essa foi a mensagem que elas queriam me passar, às vezes é preciso amargar a expectativa frustrada e aprender o que fazer do suco que não existiu. Quem sabe da próxima vez? Descobri que o mundo cabe dentro da experiência de tentar chupar uma laranja! Matheus Fernando é aluno de graduação em Psicologia na Universidade Federal Fluminense. É escritor que transita entre gêneros literários como poesia, crônica, conto, peça, ensaio e artigo.

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