Jornal Poiésis
Desafios ambientais do desenvolvimentismo brasileiro
Atualizado: 5 de abr. de 2021

Francisco Pontes de Miranda Ferreira
Introdução
Em 2013 relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) destacou a ascensão dos países da periferia. Em 1950 as economias de Brasil, China e Índia representavam cerca de 10% da economia mundial e de acordo com as projeções do relatório representarão cerca de 40%. Outro documento de 2015 do Banco Mundial posicionou o Brasil como a 6ª economia do planeta. No entanto, tudo isso acontece com graves impactos sociais e ambientais e o Brasil cresceu muito com base nos agronegócios e é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo.
Desenvolvimentismo de mercado
O modelo de crescimento brasileiro privilegia a acumulação capitalista com fortes impactos ambientais negativos, baseado na exportação, no consumo e na produtividade máxima e os custos sociais e ambientais são altíssimos. Acontece que nos deparamos com limites claros para esse tipo de modelo. A ideologia do progresso desenvolvida no século XIX foi associada à felicidade e o crescimento econômico e a exploração da natureza como fatores ilimitados e irreversíveis e a serem alcançados através do progresso científico e tecnológico. A classe trabalhadora se tornando também grande consumidora, muitas vezes de supérfluos impostos pelo mercado. O modelo do Norte desenvolvido deveria ser seguido por todo o resto do mundo como único e necessário e caminho para a felicidade e a prosperidade. Tudo isso ignorando os limites do planeta e o padrão de vida da maior parte da população do mundo capitalista não é melhor daquela que existia no período pré-capitalista.
A noção simbólica construída em torno da valorização do consumo de bens materiais também afetou gravemente o metabolismo humano e as relações sociedade/natureza. A propriedade privada e o modelo industrial afastou o camponês da terra e alterou as relações familiares. Acabou-se criando uma falha metabólica em que a tecnologia foi colocada como a grande solução, até para os problemas socioambientais. Marx já alertava para os perigos da poluição e das obras nos rios provenientes do processo industrial. O capitalismo continua insistindo no processo de expansão contínua, em que cada nação deve investir no seu crescimento econômico. Desenvolvimento baseado nos combustíveis fósseis e que pode ser medido por índices econômicos. Dentro desta mesma lógica de crescimento necessário e contínuo surge o conceito de desenvolvimento sustentável. Alguns argumentam até que o desenvolvimento contribuirá para a redução da degradação ambiental e que as tecnologias resolverão o problema, mas o fato é que há pouco tempo para reduzirmos drasticamente produção e consumo, temos graves problemas sociais, a degradação continua e a atmosfera está chegando a um limite de suporte de gases venenosos. (LEANDRO, NEFFA, e NEFFA, 2016).
O Brasil tem a maior riqueza de biodiversidade e recursos hídricos do planeta e tem tudo para ser o grande celeiro agrícola do mundo. No entanto, o agronegócio tem sido causa de extrema degradação. Índices de desmatamento acompanham o mercado dos commodities. O modelo neoliberal e desenvolvimentista que está presente no Brasil há vários anos não combina com a preservação e a questão ambiental não é prioridade. O capitalismo vem sempre criando novos mecanismos de sobrevivência, mas nos aproximamos de um limite socioambiental.
Retrocessos políticos
Cerca de 53% da vegetação nativa do Brasil encontra-se em propriedades particulares e estas áreas são responsáveis por grande parte dos serviços ambientais. Esforços na direção do controle das mudanças climáticas precisam necessariamente considerarem esses territórios. Ne entanto, o novo Código Florestal recentemente aprovado não trabalha nessa direção e se trata do instrumento legal mais importante na regulação ambiental das propriedades privadas. As consequências negativas são de efeito global. Foi o código Florestal que criou as Reservas Legais (RL) e as Áreas de Preservação Permanente (APP) que garantem a proteção de recursos hídricos e a redução do processo erosivo e do assoreamento de rios. Restringindo assim o desmatamento nas propriedades particulares. O novo Código Florestal de 2012 reduziu as APP, permite RL em outros locais e anistiou agricultores que cometeram desmatamentos ilegais. Fato que aumenta as áreas para a agricultura e diminui o fluxo genético das espécies. O lobby do agronegócio vem desde a década de 1990 pressionando para flexibilizações na legislação ambiental. Setor que sempre se beneficiou da falta de recursos da área ambiental. A grande vantagem que hoje o controle ambiental pode contar está presente na tecnologia das imagens de satélite em tempo real que localizam os desmatamentos e as queimadas ilegais. Entretanto, assistimos no governo Bolsonaro um extremo desmonte da área ambiental, a expansão dos agronegócios, o aumento do uso e da permissão de agrotóxicos, o crescimento das queimadas e a flexibilização do setor (SOARES, RATÃO, MACEDO, CARNEIRO, COSTA, COE, RODRIGUES e ALENCAR, 2014).
A maior biodiversidade e quantidade de recursos hídricos do planeta estão ameaçados pelas mudanças que estão ocorrendo na legislação ambiental brasileira. O Projeto de Emenda Constitucional (PEC-65) por exemplo representa um retrocesso de 40 anos na luta pelo meio ambiente. Essa emenda coloca em risco o sistema de Estudos de Impactos Ambientais para grandes obras. A ideia é reduzir o tempo para os estudos de impacto e compactar os três processos de licenciamento (Prévia, Instalação e Operação) em um só. Várias instituições da sociedade civil lutam contra a ala ruralista e conservadora para impedir os retrocessos na área ambiental. As maiores obras que ameaçam os serviços ambientais são as barragens e as rodovias. Só as barragens representam mais de 10 milhões de hectares inundados na Amazônia. As rodovias significam uma expansão dos agronegócios e consequentemente do desmatamento. Além disso as bancadas conservadoras e ruralistas querem diminuir e flexibilizar as terras indígenas. Os desmontes da área ambiental beneficiam principalmente o agronegócio, a mineração e a construção civil. Precisamos de maior mobilização dos setores científico e acadêmico para frear esse processo que só traz prejuízos para a nossa sociobiodiversidade (FEARNSIDE, 2016).
Gestão mercantil e emancipatória
O modelo capitalista de desenvolvimento vem sendo questionado não só pela sua forma de apropriação e as consequências sociais, mas também pelos impactos ambientais. As informações do Intergovernmental Painel on Climate Change (IPCC) são alarmantes e apontam como a principal causa o crescimento industrial. Para agravar a situação estamos vivendo uma mercantilização de tudo promovida pelo processo neoliberal. A concentração da produção industrial coloca em risco a segurança alimentar de grande parte da população. Os encontros internacionais para estabelecerem metas nunca formam consensos e ninguém cumpre os compromissos. Precisamos de uma revisão que envolve todos os processos de gestão e planejamento do uso do território e dos processos de produção. Países como Brasil precisam questionar o próprio modelo baseado na produtividade industrial e no desenvolvimentismo. Temos que realizar uma análise crítica das políticas socioambientais brasileiras.
Preocupação com o meio ambiente está presente no Brasil desde o regulamento da retirada de pau-brasil no século XVIII. Projetos de reflorestamento, visando a garantia de água aconteceram durante o império. Na década de 1980 instituições de proteção da natureza foram criadas e a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA) implantada. Avanços na área estão na Constituição de 1988. No entanto, o país continuou com o modelo desenvolvimentista com altos índices de pobreza e desigualdade e grande degradação ambiental. Fato que fica mais evidente com o fortalecimento do neoliberalismo. A indústria, assim como qualquer metabolismo, produz resíduos. Mas, diferente de um metabolismo biológico, produz poluição. No processo industrial o nível de entropia é extremamente alto, com possibilidades muito baixas de reaproveitamento. O modelo capitalista acelera esse processo com a sua necessidade constante de expansão e de uso de recursos naturais. Atitudes empresariais como a criação de programas de Responsabilidade Social ou Ambiental só serviram para aumentar a produtividade, a lucratividade e o marketing (LEANDRO, GOMES, VIEIRA de CASTRO e VIEIRA de CASTRO, 2015).
Considerações finais
O Brasil tem suas políticas em praticamente todos os setores direcionadas para os interesses do mercado internacional e a área ambiental não é exceção. Necessitamos realizar uma revisão do termo “gestão” e ampliá-lo além da questão de administração o do gerenciamento empresarial. Acreditamos numa gestão emancipatória e participativa com compromisso de promover a justiça socioambiental. Questionamos a possibilidade de se realizar altos lucros e alta produtividade em consonância com a sustentabilidade e a justiça socioambiental. Não aceitamos uma gestão ambiental de marketing.
Meio ambiente vem fazendo parte das estratégias de interesse do setor privado em função da escassez cada vez maior de recursos naturais no planeta. Temos que fortalecer a gestão participativa e emancipatória das políticas públicas e do território e assim buscar a justiça socioambiental e romper com pensamento mercantil. Estratégia necessária para alcançarmos sustentabilidade socioambiental.
Referências
FEARNSIDE, P. M. Brazilian Politics threaten environmental policies in Science 353, 2016.
LEANDRO, L. A., GOMES, C. M., VIEIRA de CASTRO, K. N. e VIEIRA de CASTRO, E. M. N. O Futuro da Gestão Socioambiental: uma análise crítica sobre a crise ambiental brasileira in Revista de Gestão Ambiental e Sustentabilidade, 2015.
LEANDRO, L. A., NEFFA, E. M. e NEFFA, K. A questão Ambiental: Desafios políticos, econômicos e ideológicos na perspectiva Brasileira in Desenvolvimento em questão, Editora Unijuí, 2016.
SOARES FILHO, B., RATÃO, R., MACEDO, M., CARNEIRO, A., COSTA, W., COE, M., RODRIGUES, H. e ALENCAR, A. Cracking Brazil´s forest Code in Policy Forum, 2014.
Francisco Pontes de Miranda Ferreira é Jornalista (PUC Rio) e Geógrafo (UFRJ) com mestrado em Sociologia e Antropologia (UFRJ), pós graduação em História da Arte (PUC Rio), Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, membro do conselho editorial do Jornal Poiésis. É diretor da Arcalama Serviços de Comunicação (www.arcalama.com.br).