Jornal Poiésis
“Deixai fora toda esperança, vós que entrais!”
Atualizado: 10 de mai. de 2021

Flávia Joss
Gosto do modo como as leituras conversam dentro de mim. Estava lendo o livro Escravidão, do Laurentino Gomes, cujo capítulo 18 narra como eram os navios negreiros. Ao ler a descrição sobre os porões, um ambiente tão insalubre, onde os escravizados eram confinados sem nenhum resquício de humanidade, meus sentidos foram tomados. Senti náusea, e uma frase me saltou aos ouvidos “Deixai fora toda esperança, vós que entrais!”
Tal frase saltou de uma outra leitura, A divina Comédia, de Dante Alighieri (1265-1321). O clássico é um poema épico que narra a viagem percorrida por Dante entre O inferno, O Purgatório e O Paraíso em busca de sua amada Beatriz. O verso destacado encontra-se na inscrição dos portais do Inferno.
Fiquei um tempo pensando nesse cruzamento entre os textos e assim rememorei uma outra leitura, acho que era um artigo, o qual abordava a ideia de que o inferno é a falta de esperança. Não vou entrar aqui em conceitos religiosos, filosóficos ou mitológicos a respeito do inferno. Todavia acredito que sendo a esperança “a âncora da alma”, como descrito na bíblia, na carta aos hebreus, sem ela estaremos prestes a afundar no oceano de aflições e desassossego.
Logo, o inferno está em qualquer lugar onde a esperança foi dissipada. Temos vivido momentos de desesperança por aqui... Pandemia, falta de vacina, morte, miséria, desemprego, fome, medo. A lista é grande... contudo, espero que possamos pendurar nos portais da humanidade “Trazeis, nem que seja apenas um fio de esperança, vós que aqui estais.”
Abril, 2021.
Flávia Joss (@flaviasjoss_)é Professora de Língua Portuguesa e Literatura, especialista em Gêneros textuais e Interação. Possui cursos de aperfeiçoamento nas áreas de Arte& Espiritualidade, Escrita Criativa.