Jornal Poiésis
De frente com Davi Lago

Matheus Fernando
No último final de semana estive literalmente de frente com ele. O baixinho invocado, mineiro arretado, autor do “Polifônico Brasil” que nos aprofunda sobre a democracia, encanta e alfineta os protestantes de plantão!
Como diria o quase místico Stephen King ao alargar o assunto publicando o seu eterno “Sobre a Escrita” no ano simbólico de 2000… Esse foi o título do curso ministrado por Davi, ali, na minha frente, numa sala lotada com 20 pessoas via Zoom, onde havia muita sede por aprendizado embora o marasmo do almoço estivesse ferindo gravemente alguns desavisados.
Quando de repente, sem perceber eu fui picado por uma de suas “Formigas” em forma de pergunta. “Qual é o seu objetivo com a escrita?” Perguntou ele, sem saber o eco que aquilo faria dentro de mim …
Essa questão nunca foi muito clara para mim e para ser sincero, o dia que encontrarmos um escritor sabichão que responda a mesma sem tosquenejar, devemos estar certos que o dito cujo não passa de um ultrajante mesquinho e insincero.
Não consegui dormir direito. Estômago embrulhado, óculos embaçando a criatividade de um poeta que consegue falar sobre tudo, menos sobre um de seus maiores ofícios e objetos de desejo: escrever.
Tive que recorrer aos universitários e saquei da minha biblioteca pessoal um veterano dos quais me sinto apadrinhado quanto a essas perguntas difíceis. Levei a pergunta para ninguém menos que o poeta alemão Rainer Maria Rilke que puxou uma cadeira para mim e me convidou para uma conversa quando escreveu “Cartas ao jovem poeta.” Entre um conselho e outro teve um que foi certeiro, “Volte-se para si mesmo. Investigue o motivo que o impele a escrever; comprove se ele estende as raízes até o ponto mais profundo do seu coração, confesse a si mesmo se o senhor morreria caso fosse proibido de escrever. Sobretudo isto: pergunte a si mesmo na hora mais silenciosa de sua madrugada: preciso escrever?” Sem pensar duas vezes cheguei a uma resposta afirmativa para essa pergunta. Sou assaltado por ideias, por enredos, por personagens, por histórias o tempo todo dentro de mim. As madrugadas são minha sina.
E com a ajuda do poeta veterano ao pontuar que se a resposta fosse um sonoro "Preciso, então construa sua vida de acordo com tal necessidade; sua vida tem de se tornar, até na hora mais indiferente e irrelevante, um sinal e um testemunho desse impulso.” É o que tenho feito nos últimos anos.
Até então tudo certo! Só não sei o que fazer com as outras 137 perguntas que brotaram dentro de mim a partir dessa. Muito obrigado em Davi Lago, vai ficar me devendo essa!
Referências citadas:
O Brasil Polifônico, Davi Lago, 2018.
Formigas, Davi Lago & William Douglas, 2016.
Sobre a escrita, Stephen King, 2000.
Cartas ao jovem poeta, Rainer Maria Rilke, 1929.
Matheus Fernando é aluno de graduação em Psicologia na Universidade Federal Fluminense. É escritor que transita entre gêneros literários como poesia, crônica, conto, peça, ensaio e artigo. matheusfernando.contato@gmail.com