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Crise ambiental e sanitária: existe uma solução dentro do capitalismo?

Francisco Pontes de Miranda Ferreira
Muitos fatos históricos foram imprevisíveis, como as diversas revoluções que abalaram o mundo. No entanto, o mesmo não acontece com os impactos da sociedade industrial sobre a natureza. O colapso ambiental foi previsto por cientistas, como o francês Lamarck, no início do século XIX. Nos últimos anos, um número crescente de cientistas em todo o mundo vem alertando sobre as consequências da jornada humana sobre os recursos naturais. Mas, como afirmou o ex-presidente do Uruguai, José Mujica, na Rio 92, a crise não é ecológica e sim política. Novas formas de democracia parecem ser, portanto, a única resposta à crise ambiental e social que vivenciamos (MARQUES, 2015). Antes dessa crise, a capacidade de crescimento parecia ser possível de controle.
A situação histórica atual tornou-se subitamente não apenas diversa, mas inversa em relação a esse longo passado. Pois as crises ambientais de nossos dias, desencadeadas justamente pelo êxito das sociedades industriais em multiplicar incessantemente o excedente, não apenas impõem novas formas de escassez, mas sobretudo geram ameaças mais sistêmicas à nossa segurança (MARQUES, 2015: 15).
Hoje temos 2,7 bilhões de pessoas no planeta sem acesso à infraestrutura básica de saneamento. No entanto, o acesso dessa população ao saneamento não representaria um aumento do impacto ambiental negativo, pelo contrário, a sua diminuição (MARQUES, 2015). O maior problema nos parece estar na desigualdade social e política.
Para satisfazer a avidez de 393 milhões de indivíduos – os 8,4% de população adulta detentora de 83,3% da riqueza mundial – move-se a economia do planeta, máquina produtora de crises ambientais, a começar pelas mudanças climáticas: os 500 milhões de pessoas mais ricas produzem metade das emissões de CO2, enquanto os 3 bilhões mais pobres emitem apenas 7% (MARQUES, 2015: 17).
O acúmulo irracional dos mais ricos parece ser a chave do problema e as crises ambientais e a insalubridade sanitária afetam os mais pobres. Estamos num planeta finito e já consumimos grande parte dos recursos renováveis e a humanidade vem excedendo a capacidade da Terra de fornecer recursos e de suportar resíduos. Marcos regulatórios seriam capazes de conter a expansão capitalista?
Para minimizar a degradação crescente do sistema Terra em decorrência desse crescimento e dessa globalização do capitalismo, vem-se tentando implantar marcos regulatórios. A pergunta que se impõe é: o capitalismo pode funcionar nesses marcos? Ou, dito de outro modo: uma economia funcionando no âmbito de tais marcos seria ainda capitalista? (MARQUES, 2015: 473).
Nos parece que nossos questionamentos para solucionar a crise ambiental e sanitária nos levam à necessidade de construirmos outro modelo político, social e econômico, além do capitalismo.
O desenvolvimento desigual revela um problema estrutural resultante das contradições inerentes à estrutura do capital. O território oferece diversas oportunidades para os empreendedores e o resultado é um desenvolvimento desigual que afeta a identidade das pessoas. O território está na ordem do dia com impactos nunca vistos antes. Assim o capital produz o espaço e produz, por sua vez, escalas desiguais socioambientais.
Em sua tendência constante para acumular quantidades cada vez maiores de riqueza social sob o seu controle, o capital transforma a face do mundo inteiro. Nenhuma pedra feita por Deus permanece no lugar, nenhuma relação original com a natureza permanece inalterada, nenhum ser vivo deixa de ser afetado. Em consequência, os problemas da natureza, do espaço e do desenvolvimento desigual são colocados juntos pelo próprio capital. O desenvolvimento desigual é o processo e o padrão concreto da produção da natureza sob o capitalismo. Isto se tornará mais evidente na discussão da produção da natureza que, de alguma maneira, se reduz à discussão do valor de uso, do valor, e do valor de troca. Não pode haver apologia do antropomorfismo dessa perspectiva: com o desenvolvimento do capitalismo, a sociedade humana colocou-se no centro da natureza e nós só seremos capazes de lidar com os problemas surgidos se primeiramente reconhecermos esta realidade (SMITH, 1988: 19).
A humanidade utiliza a natureza para os seus próprios objetivos e assim constrói o processo de modificação do território e da própria sociedade. A natureza é colocada como um objeto a ser dominado e onde as capacidades tecnológicas são desenvolvidas. O capital domina natureza e pessoas e hoje a fragilidade desse processo revela-se. No entanto, no lugar de dominação da natureza o conceito de produção da natureza parece ser mais adequado, na medida que o domínio nos sugere um “futuro sombrio” e um processo linear, enquanto que a produção da natureza nos abre caminho para uma nova abordagem política e histórica que poderá produzir um uso do território diferente daquele imposto pelo caráter do modo de produção capitalista. O desenvolvimento econômico que produz a natureza é um produto social que desenvolve desigualdades e degradação ambiental. Nossa crítica, portanto, está relacionada aos meios de produção em que a relação sociedade/natureza/território está no centro das questões. As formas de produção alteram a natureza e o território com certas características sociais. O tipo de desenvolvimento social determina a relação sociedade/natureza/território e as relações socioambientais acompanham um determinado tipo de relações sociais que foram historicamente construídas e são hoje predominantes (SMITH, 1988).
Através do processo de acumulação o capital está sempre necessitando expandir-se. O capital, portanto, precisa de cada vez mais territórios, consumidores, força de trabalho, recursos naturais que se tornam meios de produção, acessórios essenciais no processo de produção. Desta forma, o território fica submisso à expansão do capital com apoio do Estado capitalista. As máquinas, construções, usos diversos do solo ocupam o território, transformando paisagens e modos de vida a favor do lucro de uma minoria.
Na busca do lucro, o capital corre o mundo inteiro. Ele coloca uma etiqueta de preço em qualquer coisa que ele vê, e a partir desta etiqueta de preço é que se determina o destino da natureza (SMITH, 1988: 94).
Desenvolvem-se conflitos materiais e simbólicos pela ocupação do território, sendo que algumas atividades, nesse processo de expansão, provocam impactos muito fortes no ambiente e na sociedade. O capital, contraditoriamente, cria ameaças constantes aos recursos naturais e cria conflitos com a sociedade dos quais ele próprio depende. Contradições que estão presentes no próprio processo de produção (SMITH, 1988). Por outro lado, desenvolvem-se resistências e alternativas que exigem uma revisão dos modos de produção.
O futuro político para a classe trabalhadora está precisamente na igualização de condições e de níveis de produção, processo este continuamente frustrado pelo capitalismo. Esta é a resolução histórica real da contradição entre igualização e diferenciação. Ela pode ser realizada na medida em que a cooperação espacial entre a classe trabalhadora se desenvolva como força política; a classe trabalhadora reivindica a sua natureza humana de seu subdesenvolvimento pelo capital (SMITH, 1988: 218).
O modo de produção condiciona a vida social e esta condição, por sua vez, provoca o surgimento de novas consciências e os oprimidos procuram capital político e podem forjar territorialidades socioambientais: igualitárias e sustentáveis.
Referência
MARQUES, J. Capitalismo e colapso Ambiental. UNICAMP, 2015. 623p.
SMITH, N. Desenvolvimneto desigual. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1988. 242p.
Foto: Gabnel Tong
Francisco Pontes de Miranda Ferreira é Jornalista (PUC Rio) e Geógrafo (UFRJ) com mestrado em Sociologia e Antropologia (UFRJ), pós graduação em História da Arte (PUC Rio), pós-graduação em Desenvolvimento Territorial da UERJ Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, membro do conselho editorial do Jornal Poiésis.