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  • Foto do escritorJornal Poiésis

Conflitos ambientais no território

Atualizado: 24 de ago. de 2020



Francisco Pontes*


A questão ambiental ganhou extrema força, em grande parte devido aos diversos conflitos que gera. Fato que fortaleceu os debates em que os conflitos se tornaram mais evidentes. A inserção das questões ambientais nas políticas públicas e empresas tirou muito da aura utópica e revolucionária da militância original e desta maneira a questão ambiental se institucionalizou e começou a ser incorporada esfera da racionalidade administrativa, aproximando-se da viabilidade para os empreendimentos capitalistas. Na ciência também foi incorporada de diversas formas e, muitas vezes, identificamos um abismo entre discursos e ações. No Brasil ainda existe uma fragilidade de fundamentos teóricos e a ausência de uma autonomia das pesquisas em relação aos movimentos ambientalistas. Apenas na década de 1980 é que as ciências sociais começaram a ter interesse sistemático pelas questões ambientais, mas o tom militante continuou forte. Provavelmente, pelo motivo de muitos pesquisadores terem saído das ONGs, mas este fato também motivou o interesse científico de militantes. Depois da Conferencia Rio 92 aconteceu um crescimento do interesse científico e as questões ambientais também ganharam espaço na mídia. Temos assim duas correntes: uma mais interessada no modelo capitalista de produção e consumo, na sustentabilidade e na gestão e outros mais enfocado nos movimentos sociais e nos conflitos. Várias correntes do ambientalismo surgiram para corrigir a política e a economia, através da defesa de valores. Identificamos, entretanto, limitações e distorções no entrono de diversas instâncias como o Licenciamento e as Audiências Públicas. Os atuais mecanismos de negociação são incapazes de resolver as questões socioambientais e há um caráter complexo que envolve o assunto em não temos qualquer garantia que a simples participação popular venha a produzir consensos para os conflitos. Na grande maioria dos casos identificamos justamente uma ausência de legitimidade e uma elitização dos processos decisórios. Os mecanismos de governança ambiental apresentam muitas falhas e a problemática ambiental é, necessariamente, um processo político conflituoso (ALONSO e COSTA, 2002)


Os conflitos ambientais possuem várias dimensões em que diversos atores sociais criam um grande número de configurações conflituosas. Ações são assim produzidas por um conjunto de aspectos que incluem uma dimensão cultural e outra política que interagem. As disputas envolvem o controle de recursos e o poder político, dentro de um contexto historicamente construído. Agentes se formam no próprio processo e identidades motivam e resultam dos próprios conflitos. O conflito ambiental é uma modalidade específica de conflito social que envolve vários fóruns de participação. Existem também vários agentes importantes como as organizações ambientalistas com arcabouço técnico, o Ministério Público e os cientistas. Cada agente desses tem sua estrutura de mobilização e alianças são construídas. O Ministério Público colabora com recursos, processos e embargos. O processo envolve então política, história e cultura (ALONSO e COSTA, 2002).


Quando falamos de riscos calculamos a probabilidade de uma ocorrência e quando falamos de vulnerabilidade julgamos a suscetibilidade de um grupo social a um conjunto de condições. Devemos também trabalhar na direção para a transformação destas condições, através da mobilização política. Temos que analisar as capacidades de autodefesa - da capacidade destes grupos de adquirirem maior capital social e cultural. Alguns grupos sociais possuem o poder de se protegerem e se tornam menos vulneráveis, através de suas

influências políticas, enquanto que outros possuem menos poder. A condição da vulnerabilidade é socialmente construída e inclui fatores subjetivos onde se exercem diferentes expectativas. Quanto menos expectativas tem um grupo social, maior será a sua propensão a aceitar condições impostas. Assim criam-se valores de tolerância diferenciados. Os processos de vulnerabilidade devem ser contextualizados e relativizados, visando a interrupção da vulnerabilidade, através das conquistas políticas (ACSELRAD, 2006).


As crises ambientais são construções sociais com características culturais. Muitas vezes encontramos um discurso dos conflitos ambientais relacionado à escassez e à busca de indicadores técnicos e científicos da crise ambiental. Cria-se assim um autoritarismo ecológico. Precisamos olhar a diversidade sociocultural e o conflito dentro da perspectiva da apropriação e da significação do mundo material. As sociedades produzem sua existência através de relações sociais e da apropriação técnica do mundo material. No campo social, enfatizamos as estruturas desiguais da distribuição, acesso, posse e controle dos recursos. Acontece também uma desigualdade na distribuição do poder e configuram-se assim as formas culturais de apropriação do mundo material. A eficiência das técnicas varia no espaço e no tempo e são condicionadas às estruturas de poder que disseminam categorias de percepção. Desta forma, a classe dominante legitima a sua apropriação material e simbólica do território. As desigualdades são então expressas sobre os recursos naturais. Os conflitos ambientais eclodem das contradições inerentes a este sistema. Trata-se de um movimento de recusa aos modos dominantes de apropriação do território. Desta forma, os agentes sociais constituem campos de conflitos pela busca de capital simbólico na forma de poder. Acontece também a valorização dos diferentes tipos de capital material e simbólico. Na esfera simbólica desenvolvem-se as disputas por legitimidade dos discursos e um obstáculo comum é a despolitização das questões através do excesso de discurso científico. O Estado que é o detentor da violência simbólica e legítima também se torna um obstáculo para as reivindicações populares. Os conflitos ambientais, portanto, devem ser estudados de acordo com os espaços simultaneamente materiais e simbólicos constituídos.


No primeiro espaço, desenvolvem-se as lutas sociais, econômicas e políticas pela apropriação dos diferentes tipos de capital, pela mudança ouconservação da estrutura de distribuição de poder. No segundo, desenvolvem-se uma luta simbólica para impor as categorias que legitimam ou deslegitimam a distribuição de poder sobre os distintos tipos de capital (ACSELRAD, 2004: 23).


O conflito surge de rupturas por parte de um grupo social dos acordos simbólicos, onde um tipo de atividade no território pode inviabilizar outra. Todos os conflitos ambientais são compostos por uma interatividade entre as diversas formas técnicas, sociais, culturais e simbólicas que se manifestam no território.


Referências

ACSELRAD, H. Vulnerabilidade Ambiental, processos e relações in II Encontro Nacional de

Produtores e Usuários de Informações Sociais, Econômicas e Territoriais, Rio de Janeiro:

24/08/2006.

ACSELRAD, H. As práticas espaciais e o campo dos conflitos sociais in Conflitos ambientais

no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2004.

ALONSO, A. e COSTA, V. Por uma sociologia dos conflitos ambientais no Brasil. Buenos

Aires: CACSO, 2002.



Francisco Pontes de Miranda Ferreira é Jornalista (PUC Rio) e Geógrafo (UFRJ)

com mestrado em Sociologia e Antropologia (UFRJ), pós-graduação em História da

Arte (PUC Rio), Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, membro do conselho editorial do Jornal

Poiésis. É diretor da Arcalama Serviços de Comunicação (www.arcalama.com.br)



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