Jornal Poiésis
Capitalismo e crise: efeitos no território global
Atualizado: 22 de jun. de 2020

Francisco Pontes*
Introdução
No fim de 2008 a economia dos Estados Unidos enfrentou problemas profundos em que a confiança do consumidor despencou e o desemprego disparou. Ao mesmo tempo países que estavam em crescimento rápido e constante como Taiwan, China, Coréia do Sul de Japão tiveram suas exportações sofrerem uma queda drástica. Foi de acordo com o Banco Mundial o primeiro ano de “crescimento negativo” da economia mundial desde 1945. Quase todas as crises financeiras do capitalismo desde 1973 envolvem diretamente a propriedade e o desenvolvimento urbano. Exemplo típico é o setor imobiliário como um dos principais impulsos para crises.
Neoliberalismo
O neoliberalismo surgiu como um projeto de classe e como resposta às crises dos anos 1970. Tem como principal característica a liberdade individual, as virtudes da privatização e o livre mercado. Causou desde seu surgimento uma enorme concentração de riqueza e a demanda por um Estado que protege as instituições financeiras ao máximo. Uma contradição ao próprio princípio liberal da não intervenção estatal. O neoliberalismo de forma perversa coloca em prática a privatização dos lucros e o sacrifício dos riscos é compartilhado pela população. O combate depende da construção de movimentos políticos alternativos.
O capitalismo central (Estados Unidos e Europa Ocidental) na década de 1960 passou por uma crise provocada pela falta de trabalhadores para exercerem as tarefas chamadas de mais baixas e de menor remuneração e, por este motivo, incentivou a imigração de africanos, latinos e provenientes de países mais pobres da própria Europa. Fato que veio acompanhado da robotização e mecanização. Em todos os setores houve a inclusão massiva de mulheres. O resultado, apesar de toda a busca por lucros e eficiência, foi o aumento da pobreza e da criminalidade em todas as grandes cidades do mundo. O setor industrial começou a produzir peças em todos os cantos do mundo a procura de mão-de-obra mais barata e novos sistemas de transporte se desenvolveram como os containers.
Tudo acompanhado da melhoria da qualidade e da maior velocidade da comunicação. No setor financeiro destacamos o crescimento da indústria do cartão de crédito e o aumento das dívidas familiares, altamente lucrativos para os bancos. A partir dos anos 1970 aconteceram os empréstimos maciços para a América Latina e África. Em 1979 estes mesmos já apresentavam enormes dificuldades para pagarem as dívidas, as taxas de juros subiram e o FMI foi revigorado. O resultado acabou sendo a criação de regimes regulatórios
mais relaxados e os mais ricos investem em ativos como ações, propriedades, mercado futuro...
Capitalistas estão sempre produzindo excedentes na forma de lucro e são forçados pela
concorrência a recapitalizar e investir uma parte dos excedentes na expansão. Neste processo novas formas lucrativas precisam ser encontradas. A taxa de crescimento do capitalismo ao longo de toda a sua história foi em média de 2,25% ao ano. Foi negativa nos anos 1930 e de cerca de 5% de 1945 a 1973. Os especialistas afirmam que um crescimento de 3% é considerado lento e abaixo de 1% como recessão. Nos anos 1970 grandes excedentes de dólares ficaram empilhados nos países do Golfo, devido ao aumento do petróleo, e foram aplicados na economia mundial pelos bancos de investimento que, por sua vez, emprestaram para os países em desenvolvimento. Fato que acabou gerando as enormes dívidas da década de 1980. A tentativa desesperada para aplicar os excedentes gerou a onda de privatizações em todo o mundo. Junto com isso investe-se na criação do mito de que as empresas estatais são ineficientes. O que não é real. A rede estatal ferroviária francesa é extremamente mais eficiente do que sistema privativo dos Estados Unidos ou privatizado da Inglaterra. Sistemas tradicionalmente estatais como eletricidade, saneamento, transporte, comunicação, educação e saúde foram entregues ao capital privado e sujeitos à economia de mercado. Os empresários que investiram nestes setores ficaram extremamente ricos, independentemente de terem aumentado ou não a eficiência. Como foi o caso típico do México e da Rússia. Os bancos emprestam três vezes mais do que o valor de seus depósitos e estão sempre em risco, caso aconteçam inadimplências em excesso e procuram sempre renegociações. Assim bancos maiores compram os menores e lutam para se consolidarem na liderança. Nos Estados Unidos a partir de 1980 ocorreu a desindustrialização da produção e a decadência de antigos centros industriais, como Detroit, junto com uma deslocalização da produção em todo o mundo. Novos espaços industriais surgiram apresentando várias vantagens como Taiwan, Coréia do Sul e as plataformas de exportação da China. Neste jogo, os Estados Unidos manifestaram um poder financeiro enorme. A regulamentação do mercado financeiro também se tornou altamente flexível. Hoje a hegemonia financeira dos Estados Unidos está mais fraca, mas o país ainda controla grande parte do capitalismo global e exerce uma enorme influência nas políticas globais de instituições como Banco Mundial e FMI.
Considerações
A Ásia, com destaque para a China, se adaptou com muita eficiência ao sistema. Pequenas aldeias como Shenzhen tornaram-se grandes cidades com muita indústria, comércio e dinheiro. As crises do mundo capitalista avançado acabam afetando diretamente milhões de famílias dos países pobres e muitos possuem familiares trabalhando na construção civil e nos subempregos nos Estados Unidos, na Europa e na região do Golfo. Estes parentes enviam dinheiro para seus familiares nos locais de origem, recursos muitas vezes essenciais para a sobrevivência. Isso ficou muito claro na crise de 2008. Neste período no próprio Estados Unidos avançaram movimentos sociais de sem tetos que começaram a ocupar prédios abandonados, praças e ruas.
Tudo isso comprova que o modelo capitalista de livre comércio, de inspiração anglo- americana, que dominou o mundo depois da Segunda Guerra Mundial, não funciona. Precisamos construir urgentemente alternativas e compreender melhor o motivo que está
por trás do capitalismo estar sempre gerando crises.
Referência
HARVEY, D. O Enigma do Capital e as Crises do Capitalismo, SP: Boitempo, 2011.
Francisco Pontes de Miranda Ferreira é Jornalista (PUC Rio) e Geógrafo (UFRJ) com mestrado em Sociologia e Antropologia (UFRJ), pós-graduação em História da Arte (PUC Rio), Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, membro do conselho editorial do Jornal Poiésis. É diretor da Arcalama Serviços de Comunicação (www.arcalama.com.br)