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Bacia hidrográfica como base do planejamento participativo



Francisco Pontes de Miranda Ferreira


Os debates que envolvem planejamento urbano, como Planos Diretores e Agendas 21, vão na direção da criação de territorialidades ideais e assim ignoram o território já consolidado, que foi construído como resultado de contradições socioeconômicas, do modelo desenvolvimentista e não respeitam a bacia hidrográfica como o território apropriado para o planejamento. O diagnóstico da situação atual de um território deve ser realizado levando em consideração o ciclo hidrológico natural e os impactos que as atividades humanas provocaram. Os cenários futuros também devem seguir essa mesma perspectiva. Apenas com essa aproximação poderemos enfrentar enchentes, deslizamentos, déficits habitacionais, disposição de resíduos. O caminho natural da água passa a ser a base da ocupação do solo.


Os diversos departamentos e secretarias da administração pública necessitam considerar em suas ações a base da bacia hidrográfica com todos os aspectos humanos, naturais e construídos presentes no território. Assim criamos uma complexa interrelação de fenômenos diversos, como cobertura florestal, drenagem, atividades urbanas, desenvolvimento rural, produção e disposição de resíduos, educação, saúde, turismo, habitação. Para facilitar o planejamento, as microbacias podem ser mapeadas com Sistemas de Informação Geográfica (SIG) e se tornarem o espaço para os debates da dinâmica socioambiental (SCHUSSEL e NASCIMENTO NETO, 2015). O planejamento por bacia evitará a reprodução dos impactos negativos historicamente construídos no passado.


Os métodos participativos para a gestão territorial estão sendo testados e aprovados por sua eficiência em projetos de organizações internacionais como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), utilizando-se como base a bacia hidrográfica. A FAO realizou uma experiência em diversas regiões de montanha e floresta, envolvendo comunidades pobres de vários países que servem de inspiração para as bacias da Região Serrana do Rio de Janeiro.


A integração de atividades para a preservação e o desenvolvimento da participação comunitária em colaboração com os atores sociais e instituições diversas tem sido reconhecida como a mais promissora aproximação para a gestão dos recursos naturais (WARREN, 1988: prefácio).


O projeto visou especialmente áreas montanhosas e beneficiou localidades na Tunísia, Bolívia e Nepal. A ideia principal foi consolidar a participação comunitária nas bacias hidrográficas. A equipe da FAO trabalhou com a descentralização dos sistemas de planejamento, como fator importante para a preservação ambiental e o desenvolvimento social. O aperfeiçoamento da comunicação tornou-se elemento muito relevante nesse processo. Os princípios da Pesquisa-Ação também ganharam relevância nessa experiência piloto. Um dos objetivos principais foi o fortalecimento das organizações sociais comunitárias e a formação de redes colaborativas. Entre as prioridades estão a garantia dos serviços de saneamento, saúde, educação e segurança alimentar e hídrica. Destaque especial foi dado para a participação feminina na gestão territorial.


De várias formas, as localidades desse projeto piloto da FAO são semelhantes às características da Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro. As conquistas sociais estão assim associadas com água, solo e cobertura vegetal. Tanto as localidades selecionadas como a Região Serrana do Rio de Janeiro, possuem graves problemas de erosão e deslizamentos. O projeto da FAO trabalha a bacia hidrográfica muito mais como um território geopolítico de governança do que como uma unidade hidrográfica, embora considere de extrema importância os aspectos físicos e biológicos. Trata-se de uma aproximação dentro dos princípios da ecologia política e o processo de transformação social estabelece-se acima das técnicas. Atender às necessidades básicas da população em setores como saneamento, proteger o meio ambiente e promover a democracia participativa devem caminhar juntos.


O Capítulo 13 da Agenda 21 (1992) é especialmente dedicado aos ambientes de montanha que são essenciais para a produção de água e, portanto, diretamente relacionados à segurança hídrica e alimentar. De acordo com o Capítulo 13 da Agenda 21, os ambientes de montanha abrigam cerca de 10% da população do planeta e possuem formações rochosas de grande poder simbólico para os povos. A Região Serrana do Rio de Janeiro demonstra bem esses aspectos, sendo responsável pela produção de água em quantidade e qualidade para as vertentes das bacias hidrográficas da baía de Guanabara e do rio Paraíba do Sul, de grande importância para o abastecimento humano e a produção de alimentos para milhões de pessoas e monumentos naturais, como o Dedo de Deus no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, possuem um poder simbólico fortíssimo, presente na bandeira do Estado e de dois municípios. Apesar de toda essa relevância, essas áreas sofrem com a degradação ambiental e a pobreza. Além disso, devido à própria geomorfologia e as situações climáticas são áreas extremamente frágeis com constantes processos de erosão, deslizamentos e enchentes, acelerados pela ocupação antrópica. Fato comprovado na tragédia de 2011 que atingiu a Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro. O uso dos recursos naturais nas áreas de montanha exige cuidados especiais e qualquer impacto nas partes altas terá influência a jusante das bacias hidrográficas. Fatores que exigem a gestão territorial participativa que leva em consideração a bacia hidrográfica em sua complexidade dinâmica. O método participativo proposto pela FAO é alcançado através do reconhecimento e da chamada para colaboração das instituições da sociedade civil identificadas como de influência e de capacidade técnica para a sociedade local (WARREN, 1988). Seriam, portanto, instituições capazes de forjarem novas Territorialidades Socioambientais. Ação que exige, entretanto, a promoção de um planejamento territorial descentralizado. Sentimos a falta deste tipo de aproximação nos projetos do setor de saneamento e nos diversos instrumentos de gestão territorial nos municípios brasileiros. Diversas instituições que agem no território e possuem significativa capacidade técnica ficam de fora dos Termos de Referência e dos documentos produzidos para a gestão territorial, como os Planos de Saneamento ou de Resíduos Sólidos em que empresas de consultoria externas são geralmente contatadas. Até técnicos de instituições governamentais locais, como extensionistas rurais e funcionários de instituições Federais ficam de fora. De igual importância seria a implantação de métodos da Pesquisa-Ação, como o mapeamento social participativo, para junto às comunidades identificarmos vulnerabilidades e potencialidades. Nos documentos produzidos predominam ou são existentes apenas dados secundários. Na experiência da FAO acima citada, trabalhos de campo comprovaram a existência de um enorme abismo entre os dados secundários existentes e a realidade.


Embora seja fundamental utilizarmos ao máximo as informações existentes, essas informações, quando disponíveis, devem ser consideradas de forma crítica, geralmente encontram-se ultrapassadas, não são confiáveis e estão incompletas (WARREN, 1998: 21).


No projeto da FAO foram privilegiadas as análises sociais, antropológicas e ambientais, com a inclusão das informações obtidas diretamente nas comunidades. As informações das comunidades são alcançadas através de aproximações informais onde procura-se também identificar os conflitos. Mas, as informações obtidas de maneira formal são igualmente relevantes e as oficinas são eficientes para isso. O diálogo é o fator mais importante.

Em uma fase de diagnóstico o objetivo principal é compreender a realidade socioambiental da bacia hidrográfica. Além dos dados do ambiente físico e demográficos, procura-se identificar e considerar a estratificação social, o nível de organização, as condições de saúde, a cultura e as tradições, a segurança alimentar, as realidades econômicas, o grau de educação das comunidades entre muito outras. Dados secundários e primários se complementam através do diálogo. As diversas vulnerabilidades são traçadas e as prioridades estabelecidas.


Na experiência da FAO que analisamos, os sentimentos de colaboração, pertencimento e participação são desenvolvidos. Deveriam ser também o ponto de partida para todas as políticas públicas locais. O projeto participativo da FAO no Nepal, por exemplo, conseguiu identificar 177 “atividades físicas” prioritárias das comunidades. Entre elas: controle da erosão contra deslizamentos, incubadoras de pequenos estabelecimentos comerciais, postos de saúde, hortas comunitárias, restauração florestal, proteção de mananciais. Técnicos e especialistas do poder público, das organizações não governamentais e de instituições de ensino e pesquisa locais foram em função do diálogo comunitário mobilizados. Termos de Referência foram então coletivamente elaborados e parcerias institucionais conjuntamente estabelecidas. Tudo alcançado e planejado através dos métodos da Pesquisa-Ação e debates. Os coordenadores do projeto a FAO agiram como mediadores-parceiros e assim deveria agir o poder público dos municípios.


Referência

SCHUSSEL, Z. e NASCIMENTO NETO, P. N. Urban Planning based on Watersheds: form theoretical debate to municipal management in Ambiente e Sociedade Vol. XVIII. São Paulo, 2015.

WARREN, P. Developing participatory and integrated watershed management: a case study of the FAO/Italy inter-regional Project for participatory upland conservations and development. Roma: FAO, 1988.


Francisco Pontes de Miranda Ferreira é Jornalista (PUC Rio) e Geógrafo (UFRJ) com mestrado em Sociologia e Antropologia (UFRJ), pós graduação em História da Arte (PUC Rio), Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, membro do conselho editorial do Jornal Poiésis. É diretor da Arcalama Serviços de Comunicação

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