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  • Foto do escritorJornal Poiésis

As cidades coloniais no Brasil

Atualizado: 5 de abr. de 2021


Leonardo Soares dos Santos*


Falando sobre a cidade em 1618, o piloto e cartógrafo holandês Dierick Ruiters, anotava que

Este rio, que os portugueses chamam Rio de Janeiro, é belo e, pelas facilidades que oferece aos navios grandes e pequenos, excelente para a navegação. A terra circundante é fértil, quer nos vales quer nas montanhas, e embelezadas por lindas planícies, nas quais tudo o que se semeia e planta dá em abundancia.

Assim como foi possível a Sérgio Buarque e Emanuel Araújo pinçar um sem número de testemunhos que detratam a experiência urbana do reino português em terras americanas, é possível também apresentar depoimentos que enaltecem as potencialidades e as maravilhas expressas por algumas cidades coloniais do Brasil. Alguns aspectos que para uns, como o Padre Anchieta era motivo de censura, era, para outros, objeto de elogio.

Dizia em 1695 François Froger, um marinheiro que visitou o Rio junto à esquadra francesa comandada por De Gennes:


A cidade está situada numa bela planície rodeada de altas montanhas; grande, bem construída, do alto dos seus montes as duas extremidades, tornando a paisagem agradável. Não tem fortaleza alguma do lado de terra e é defendida tão-somente por um pequeno forte que está à beira-mar, abaixo dos Jesuítas. Seus habitantes são limpos e de aspecto severo comum à sua nação; são ricos e gostam de comerciar; possuem grande número de escravos pretos e mantêm nos engenhos famílias inteiras de índios a quem não querem tirar a liberdade por serem naturais do país... O luxo é tão comum que não somente os burgueses mas até os religiosos podem manter mulheres públicas sem temor de censura e da maledicência do povo, que a eles tributa um respeito todo especial.

O encantamento do padre Cardim com o Rio de Janeiro era evidente:

A cidade está situada em um monte de boa vista para o mar, e dentro da barra tem uma baía que bem parece que a pintou o supremo pintor e arquiteto do mundo do Deus Nosso Senhor, e assim é coisa formosíssima e a mais aprazível que há em todo o Brasil, nem lhe chega a vista do Mondego e Tejo; é tão capaz que terá vinte léguas em roda cheia pelo meio de muitas ilhas frescas de grandes arvoredos, e não impedem a vista umas às outras que é o que lhe dá graça. Tem a barra meia légua da cidade, e no meio dela uma lájea de sessenta braças em comprido, e bem larga que a divide pelo meio, e por ambas as partes tem canal bastante para naus da Índia; nesta lájea manda el-Rei fazer a fortaleza, e ficará a cousa inexpugnável, nem se lhe poderá esconder um barco; a cidade tem 150 vizinhos com seu vigário, e muita escravaria.


Era tão atraente a cidade que muitos passaram décadas cobiçando-a, como os holandeses. Mas os franceses passaram séculos. Desde o empreendimento mal-sucedido de Vilegagnon com a sua França Antártica em meados do século XVI até as duas expedições consecutivas capitaneadas por Duclerc e Duguay-Troin. Mas tinha para isso bons motivos os franceses, o que se estranha se nos fiarmos pela versão de que as cidades coloniais portuguesas eram indigentes. Vejamos as palavras de Guillaume François de Parscau, que viria na expedição que seqüestraria a cidade do Rio de Janeiro em 1711.


Mais uma vez, como até hoje, a rica paisagem natural é destacada:

A cidade encontra-se a bombordo de quem entra, a cerca de 2 léguas da barra, à beira-mar, numa planície única e agradável. Seu nome é São Sebastião, mas vulgarmente é conhecida pelo mesmo nome da baía. Logo na frente, ela conta com uma espécie de porto, formado, do lado sul, por uma ponta de rocha que avança para o mar em direção à Ilha de Villegagnon, da qual está distante cerca de dois tiros de fuzil.

É claro, era uma terra que apresentava os seus percalços. Principalmente no momento em que ainda estava em consolidação. O navegador Pedro Sarmiento de Gamboa observava por volta de 1582,

Durante esta arribada no Rio de Janeiro, o madeiramento dos navios, atacados por teredos e bromas, apodreceu e entrou em decomposição. As embarcações de S.M., porém, foram poupadas, pois seus cascos eram revestidos de chumbo. A broma, neste ponto, prolifera graças ao calor, à lama e aos mangues, corroendo impiedosamente a madeira, o cordame e os pregos dos navios. A ferragem corrompeu-se a tal ponto que, de maneira surpreendente, era possível arrancar grandes pedaços dela com a mão.


Em outra passagem ele recorda que

No dia 24 de março de 1582, entramos no porto do Rio de Janeiro, onde, seguindo as determinações de Sua Majestade, permanecemos ancorados até o mês de novembro do mesmo ano. Muitos dos homens, que vinham doentes do mar, morreram neste lugar, outros construíram um mal do cérebro, bastante comum por aqui. Trata-se de uma doença muito simples de curar, quando se conhecem as suas manifestações. Passados, porém, dois ou três dias, ela torna-se incurável, e o doente, acometido por vômitos, acaba por morrer – chama-se de mal da terra.

As várias doenças que assolavam os habitantes não passam despercebidas pelo “marujo inglês de origem nobre”, Anthony Knivet, durante sua passagem pelo Rio de Janeiro no finalzinho do século XVI


Pouco depois da arribada desse navio, manifestou-se no Rio de Janeiro uma doença parecida com o sarampo, mas tão fatal como a peste, matando em três meses 3 mil pessoas, entre portugueses e índios. A doença grassava por todo o país.


E acrescenta

Em razão da umidade do ar, uma das minhas pernas inchou de tal modo que não a podia mover. É muito perigoso, para quem está suado, expor-se ao ar durante a noite nesta região, pois a terra é quente e o ar é penetrante, afetando facilmente uma qualquer parte do corpo. Durante quase um mês, padeci com o tal inchaço.

Uma outra passagem descrita por Pedro Sarmiento ilustra bem as dificuldades vividas pela população da cidade não só em termos de doenças como também em questões como alimentos e outros bens de consumo. Neste trecho ele relata as providências tomadas pelo comandante da esquadra espanhola para a obtenção de alimentos.


Para comprar carne e farinha, Diego Flores enviou Diego de la Ribeira e o tesoureiro da armada às cidades de Santos, São Vicente e Campos. Esses homens levaram uma significativa quantia do tesouro de S.M. - especificada no relatório enviado ao Conselho das Índias. Juntamente com o dinheiro, seguiram ainda uma grande quantidade de tecidos – tecido que S. M. Destinara aos homens que ficariam no Estreito -, peças de ferro, ferramentas e muitas outras coisas. Não havia nenhuma necessidade de enviar tais mercadorias, pois o dinheiro que os dois negociadores levavam era mais do que suficiente. Para mais do que suficiente. Para mais, as roupas e os apetrechos desviados, undamentais para o cumprimento das determinações de S. M., não poderiam ser repostos, visto ser impossível adquirí-los no Rio de Janeiro.

Isso nos mostra que as divergentes visões sobre algumas das cidades coloniais expressavam de certa forma a complexidade dos seus processos de consolidação, cheias de problemas e fracassos, é verdade, mas que trazia junto a ele, várias potencialidade e possibilidades, que muitos europeus tanto sonhavam em construir aqui, inclusive muitos portugueses. O desenvolvimento dos próximos tópicos deixará mais claro o que se quer dizer com isso.


Vamos agora ver como foram estabelecidas estas cidades, como foram construídas e configuradas os elementos que na época constituíam a dimensão básica de uma cidade. Cabe destacar de antemão, que ao contrário do que vários autores sustentam, a coroa portuguesa já começava a delinear uma política de urbanização desde 1548, com a instauração do Governo-Geral. Na verdade, em consonância com que Darcy Ribeiro defendia no início da década de 1960, o historiador português Walter Rossa lembra que vários foram os acontecimentos que levaram Portugal a estabelecerem verdadeiras civilizações urbanas em suas diversas possessões coloniais. Com D. João II, não havia como o empreendimento colonizador se resumir apenas a intenções comerciais. Rossa destaca como “acontecimentos de maior relevo” para essa transformação de perspectiva, a fundação da Misericórdia de Lisboa, a primeira e modelar dessas instituições vincadamente inovadoras e modernas, [que] ocorreu no mesmo ano em que a armada de Vasco da Gama chegou à Índia; o processo de reforma dos forais e de outras posturas com influencia directa e imediata no urbanismo e na vida urbana tivera início à data da partida de Lisboa; pouco depois (1503) da descoberta “oficial” do Brasil houve uma primeira tentativa de reforma da Universidade baseada na promulgação de novos Estatutos; com a viagem de Vasco da Gama a fábrica para os frades jerónimos em Belém ganhou dimensões e foros de obra emblemática de um novo regime.


Como se tratam de cidades que foram constituídas ao longo dos séculos XVI ao XVIII, vejamos como foi tratada uma questão crucial para uma cidade destes tempos: a questão da defesa.


Muito é falado também, como prova da falta de estrutura das cidades coloniais brasileiras, sobre a intensa mistura de usos urbanos e rurais. O historiador Leonardo Soares trabalha essa questão em sua tese de doutorado sobre a constituição de uma zona rural na cidade do Rio de Janeiro. Ele nos conta que havia simvsignificativa a presença de traços rurais no centro do Rio e nos seus arredores (arrabaldes): “seja sob a forma de construções tradicionalmente associadas ao âmbito rural, pequenas criações e culturas, especialmente hortícolas, e, o trânsito de animais (vacas e porcos). Cabe perguntar então quais foram as condições históricas que permitiram que o centro do Rio assumisse tal tipo de configuração.”


Há que se considerar, segundo ele, que o Rio fundado sob parâmetros medievais:

Isso teve certamente reflexos na maneira como era pensada a questão da coexistência de usos urbanos e rurais no espaço da cidade. A qual como já observou Le Goff, se referindo ao contexto da Idade Média, era basicamente estimulada e vista como salutar para o seu desenvolvimento. Um detalhe que dá bem a dimensão disso é a justificativa dada pelo governo português para excluir as rendas oriundas das atividades agro-pastoris da cobrança da décima urbana ainda no período colonial: para que “pesem o menos que se possa à agricultura, verdadeiro e o inesgotável manancial da riqueza dos Estados”. Afirmação interessante em dois sentidos: primeiro por dar tanto relevo à agricultura no que concernia às formas de sustentação econômica do Estado; em segundo, por sugerir – lembrando que a décima só era cobrada no perímetro urbano - que as atividades agrícolas faziam parte da vida das cidades e era reconhecido como necessário e salutar para o seu bom funcionamento.


Devido a isso havia muitas chácaras no perímetro urbano da cidade do Rio de Janeiro. Destaque-se os das ordens religiosas como os beneditinos (Morro de São Bento), jesuítas (Morro do Castelo) e franciscanos (Morro de Santo Antônio).74 Paulo Berger afirma que famosos logradouros existentes até hoje foram originalmente construídos para dar acesso a algumas dessas propriedades: “A rua da Quitanda era antigamente o caminho que levava à chácara dos frades de São Bento. Já a rua da Alfândega fora o caminho que levava ao Engenho Pequeno dos Jesuítas”.75 Ainda no século XIX, podiam ser encontradas, conforme atestam documentos da administração local, várias “casas com horta e quintal e chácara”, junto de casas de vivenda, lojas, armazéns, açougues, trapiches, cocheiras, senzalas, casas de banho etc.76


Havia também a questão dos mecanismo de abastecimento próprios da época. Assim como Buenos Aires, a cidade sofria desde os tempos coloniais com precárias formas de auto-abastecimento de gêneros.


A cidade não possuía meios e nem infra-estrutura de transporte adequada nem para contatos com regiões limítrofes ao centro, quiçá com regiões especializada na produção de gêneros (se é que eles realmente existiam). Além disso, não se pode deixar de levar em consideração o estágio tecnológico da época, que influíam nas formas de distribuição e comercialização dos alimentos, sem contar que não havia ainda formas de conservação dos alimentos mais perecíveis. Em razão disso, a pequena produção agrícola para o auto-abastecimento seria uma forma para contornar os problemas de falta de alimentos. Era também a forma possível dentro do horizonte daquela época.


Nelson Omegna também comenta:

Os proprietários rurais, eventuais moradores dos núcleos urbanos, tenderam a transferir para estes os seus programas de auto-suficiência, transportando e aproveitando parcelas de sua produção rural, e mesmo instalando, em escala reduzida, no próprio meio urbano, a produção de alimentos.(...) Os quintais das chácaras da periferia, e mesmo as residências mais centrais, teriam seus pomares, suas criações de animais domésticos e suas hortas. Crônicas e documentos mencionam, com freqüência, as vantagens dos pomares urbanos, em especial os dos conventos, que se espalhavam em torno dos núcleos principais.77

Tamanha era a dificuldade, afirma Leonardo Soares, que para se abastecer de alimentos até os funcionários da Fazenda Real eram forçados a ser lavradores ou agricultores.78 “Além disso, não esqueçamos que as atividades agrícolas movimentam um significativo comércio no espaço urbano, basta pensar por exemplo v ioo o nos meios de transportes da época, todos movidos por força animal.” Tal era a importância desse comércio que Nireu Cavalcanti “possuir uma cocheira na área mais construída e central da cidade, representava ‘status’ social só compatível com o nível de negociantes de ‘grosso trato’(...)”.79 O mesmo autor lembra ainda que o comércio de gramínea era tão rendoso a ponto de um logradouro da cidade passar a ser chamado de “largo do capim”.80


Gilberto Freyre chega a sustentar que os arredores do Rio, assim como os de Recife e Salvador, foram se tornando, “na primeira metade do século XIX, principalmente áreas de plantação de capim ou forragem para o crescente número de animais serviço dos ricos das cidades.”81 Este autor assinala ainda que nesta mesma região era vasta a plantação de “vegetais e frutas de fácil cultura que eram consumidos mais por escravos do que por senhores, mais por pretos do que por brancos – inhame ou cará, taioba, quiabo, abóbora ou jerimum, banana [...].”


Ou seja, tal mistura entre usos urbano e rurais ainda seriam muito presentes até praticamente os primeiras décadas do século XX. Não podemos afirmar que isso também se constitua num legado negativo do “urbanismo caótico” dos portugueses.

Gilberto Freyre comenta essa persistência do rural no Rio de Janeiro: “Havia sempre nos jardins das chácaras, um parreiral, sustentado por varas ou então colunas de ferro: parreiras com cachos de uva doce enroscando-se pelas árvores, confraternizando com o resto do jardim. Recantos cheios de sombra onde se podia merendar nos dias de calor”.83 Com base em relatos de Gastão Cruls, aquele autor destaca “terem sido o regalo dos garotos que cresciam na antiga Corte e recém-criada Capital Federal, o cambucá, o abiu, a grumixana, o cajá, a manga, o sapoti, a fruta-do-conde, o jambo-rosa, o jambo-de-caroço – frutas, quase todas, que se encontravam nas árvores dos vastos fundos de sítios ou simplesmente de quintais das casas da maior parte da burguesia brasileira do fim do Império e do começo da República.”84


Leonardo Soares nota que em “em ensaio memorável sobre a constituição do saber médico na sociedade brasileiras do século XIX, Jurandir Freire Costa ressalta essa importante característica das residências urbanas da elite senhorial: “A casa brasileira até o séc. XIX era um misto de unidade de produção e consumo. Boa parte dos víveres, utensílios domésticos e objetos pessoais de que necessitava uma família eram fabricados na própria residência”.85 Analisando anúncios de sobrados do Rio de Janeiro das primeiras décadas do século XIX, Gilberto Freyre verifica que como componentes da “arquitetura nobre então dominante nas ruas do centro da cidade” não apenas os tetos de estuques, dos papéis de forro, das varandas de ferro, mas também as cocheiras, os jardins, as hortas”.86


O comércio ou simples criação de animais, assim como o cultivo de gêneros agrícolas, era ainda atuantes no centro da capital. Vendedores de perus, porcos, galinhas, passeavam com suas crias pelas ruas da cidade. Eles constituíam, segundo Leonardo Soares, o chamado comércio ambulante da cidade, que sofreria forte repressão a partir do governo Pereira Passos. Mas o que mais se destacava no comércio desse gênero – o de alimentos de origem animal -, que segundo palavras de Luiz Edmundo era “o mais vergonhoso de todos esses ambulantes do começo do século”, era o leiteiro, sempre acompanhado de sua “esquelética vaca”, segundo palavras do cronista.


Vejamos o interessante relato deste autor:

O vendedor de leite, que usa barba passa-piolho e tamancas, é dos primeiros ambulantes a surgir na rua mal-desperta, puxando por uma cordinha curta o ruminante de seu comércio, magro e pachorrento, duas ou três chocalhantes campainhas dependuras ao pescoço bambo e pelancudo. E logo o homem da ajudância no serviço, atrás, ordenhador astuto da alimária, mágico avisado, capaz de transformar, à vista do freguês, sem que esse perceba, a água que está dentro de múltiplas vasilhas, em leite, e do melhor! Vem, depois, o bezerro, de focinheira de couro, esfaimado e tristonho, preso à cauda da sua pacata genitora. Quem pensar que ele, entanto, no quadro, serve apenas como elemento decorativo, engana-se, porque, quando a mão do ordenhador já não mais ordenha o leite recalcitrante, empacado na glândula mamária da leitera, lá vem o bezerrote para o trabalho da sucção, que é tanto mais violento quanto maior é a ânsia do triste em libar o alimento que tanto lhe recusam. Com três ou quatro arrancadas vaza a teta, mas logo a focinheira de couro lhe chegam de novo, para que possam, aí, entrar em função: a mão calosa do vendedor, a vasilha da água e a vasilha do leite...87


Relato também rico é o de Gilberto Freyre em seu Ordem e Progresso, com base em depoimento oferecido a ele por Joaquim Amaral Jansen. Aqui ele fala da importância da venda de leite, tirada diretamente da vaca, no cotidiano da cidade:

Joaquim só avistava da rua o que a rua lhe levava até ao portão ou à varanda ou às janelas da casa. Não era pouco mas ele agora começava a descobrir que não era tudo. Era o leiteiro, quase sempre chamado Manuel, bigodudo e português, vendendo a dois vinténs o copo de leite, tirado na própria rua do peito da vaca: leite talvez contaminado pela mão nem sempre limpa do portuga; mas fresco e de ordinário sem água. Era o vendedor de perus, trazendo suas aves sobre enormes varas de bambu: ‘perus de boa roda’, se apregoava naqueles dias.

(...) Também à porta da casa de Joaquim vinha o vendedor ou freguês de verdura, com balaios ou cestas, sustentados por compridas varas que o vendedor punha aos ombros, à maneira madeirense; e das cestas transbordavam legumes frescos e alguns cheirosos, com todo o seu esplendor de vermelhos, verdes, amarelos. Vinha o vendedor de frutas. Vinha o de peixe. Vinha o de camarão. Vinha o de galinhas. Cada um com seu pregão, com seu tipo de cesto, com seu cheiro que da rua chegava às casas.88

Essas cidades eram provas mais do que claras da civilização urbana que os portugueses buscaram implantar no Brasil. Com todas suas debilidades e potencialidades elas expressavam um desejo inequívoco de se enraizar na América e constituir aqui uma forma bem singular de cultura urbana. A conjunção de várias tradições urbanísticas, que remontavam à Grécia e Roma antigas, passando pelas cidades européias e muçulmanas da Era Medieval e desembocando numa leitura bem particular do legado renascentista, era a marca dessa civilização urbana, que não era feita de exclusões. Por isso, o rural, a natureza, o religioso, e até certa dose de improviso faziam parte dessas cidades. Tais elementos faziam parte dessa alma urbana que deu forma às cidades coloniais desse lado do Atlântico.

_____________________________

NOTAS DE RODAPÉ

1 Apud FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. Outras visões do Rio de Janeiro Colonial. Antologia de textos,

1582 – 1808. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2000. p. 39.

2 Apud COARACY, Vivaldo. O Rio de Janeiro no século Dezessete. Rio de Janeiro: Livraria José

Olympio Editora, 1965. p. 157.

3 Apud RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 173.

4 Apud FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. Outras visões do Rio de Janeiro Colonial. Antologia de textos,

1582 – 1808. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2000. p. 75.

5 Ibidem. p. 19.

6 Ibidem. pp. 14-15.

7 Ibidem. p.p. 17-18.

8 ROSSA, Walter. Cidades Indotugu-Portuguesas. Contribuições para o estudo do urbanismo português

no Hindustão Ocidental. Lisboa: Comissão Nacional para as comemorações dos descobrimentos

portugueses, 1997. p. 14.

9 Apud Apud FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. Outras visões do Rio de Janeiro Colonial..., p. 18.

8 ROSSA, Walter. Cidades Indotugu-Portuguesas. Contribuições para o estudo do urbanismo português

no Hindustão Ocidental. Lisboa: Comissão Nacional para as comemorações dos descobrimentos

portugueses, 1997. p. 14.

9 Apud Apud FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. Outras visões do Rio de Janeiro Colonial..., p. 18.

77 OMEGNA, Nelson. Op. Cit. p. 44.

78 idem. p. 149. Sobre Salvador, comenta Gilberto Freyre: “[...] parece ter conservado no século XVII e no

XVIII o ar meio agreste [...]. E era muito o mato dentro da cidade. Muita árvore. As casas-grandes dos

ricaços quase rivalizando com as de engenho não só na massa enorme, patriarcal, do edifício, como no

espaço reservado à cultura da mandioca e das frutas, e à criação dos bichos de corte. Os moradores dos

sobrados não podiam depender de açougues, que quase não existiam, nem de um suprimento regular de

víveres frescos, que viessem dos engenhos e das fazendas do interior para os mercados da beira-mar.” –

Ordem e Progresso. Rio de Janeiro: Record, 1990. pp. 304-305.

79 CAVALCANTI, Nireu. Op. Cit. p. 423.

80 Idem.

81 FREYRE, Gilberto. Op. cit. p. 405.

82 Idem.

83 FREYRE, Gilberto. Op. Cit.,. p. 202.

84 FREYRE, Gilberto. Ordem e Progresso. p.86.

85 COSTA, Jurandir Freire. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983. p. 83.

86 FREYRE, Gilberto. Op. cit., p. 331.

87 FREYRE, Gilberto. Op. cit., pp. 87-88.

88 idem.



*Leonardo Soares é Professor de História – UFF/Campos


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