Jornal Poiésis
Ancestralidade

Flávia Joss
A história e a identidade de cada indivíduo é alimentada e fortalecida por suas raízes, características herdadas dos seus antepassados, por sua linhagem. A busca por esse conhecimento tem levado muitas pessoas a fazerem o teste de ancestralidade, uma moda contemporânea, impensável há algumas décadas.
Quando menina, lembro-me de que sempre surgiam assuntos sobre descendência, e esta era sempre europeia. Portugueses, italianos, franceses estavam na linhagem das minhas amigas. Comecei a pensar sobre o assunto e perguntar a minha mãe e as minhas tias. Descobri que do lado materno havia portugueses, alemães e italianos. Mas estavam tão distantes de mim... não me sentia segura em falar como minhas amigas. Ao entrar na adolescência descobrimos parte da família que havia se perdido nos meandros na vida. Minha avó reencontrara irmãos, cunhadas e sobrinhos. E uma das cunhadas era italiana. Pensei “agora posso dizer que sou descendente de italianos”, porém minha mãe se encarregou de “furar o meu balão” dizendo que não havia laços consanguíneos entre a cunhada da minha avó e eu.
Do lado paterno pouco descobri. Do meu avô negro, cujo nome era Frutuoso Domingos, conheço apenas a tragédia. Ele fora assassinado quando meu pai era apenas um jovenzinho. Meu pai nunca foi um homem de muitas palavras... até hoje não sei se era a dor da perda ou o desconhecimento a respeito de sua história que o calavam. Talvez ele nunca tenha aprendido que a história do povo preto é importante. O nome Frutuoso significa “aquele que dá frutos”, achei poético e triste... não encontrei os frutos...
Olho para meus alunos, 80% deles negros, e pergunto “Será que eles conhecem seus antepassados?” Seus sobrenomes estão miscigenados Pimenta, Nascimento, Paixão, Silva, Ferreira, Costa, Tristão, Venâncio, Santos ... Os senhores de engenho colocavam seus sobrenomes nos escravos como um indicador de posse, eles eram sua mercadoria. O livro Ponciá Vicêncio, da escritora Conceição Evaristo, é uma boa ilustração desse contexto. Quantas narrativas se perderam pelo caminho? Como se orgulhar de uma história que desconhecemos?
Conhecer a nossa ligação com os que vieram antes de nós nos faz entender quem somos, pois “um povo sem conhecimento de sua história, origem e cultura é como uma árvore sem raízes.” (Marcus Garvey)
Flávia Joss é Professora de Língua Portuguesa e Literatura, especialista em Gêneros textuais e Interação. Possui cursos de aperfeiçoamento nas áreas de Arte& Espiritualidade, Escrita Criativa e Poesia Falada.