Jornal Poiésis
A volta da espiritualidade

Francisco Pontes de Miranda Ferreira
Quando nos deparamos com as descobertas da física quântica começamos a questionar se os objetos normais do cotidiano realmente podem se comportar da maneira em que a física quântica descreve. Nos parece que os objetos comuns obedecem às leis newtonianas da física clássica. Na visão da física clássica havia um universo mecânico explicado pelas equações matemáticas.
A crise que estamos atravessando hoje é da civilização e da visão de mundo. Conceitos e valores estão em crise. Trata-se, portanto, de uma crise espiritual. Diversas indagações estão erguendo, questionando o próprio papel da humanidade no mundo e a nossa visão de realidade. Nosso desafio é alcançar uma nova consciência. A crise ambiental que atravessamos exige uma reflexão profunda que envolve a pergunta de até quando a humanidade poderá continuar a controlar e dominar a natureza e outros humanos. A tradição de Descartes e Bacon colocou o homem como senhor da natureza. Entretanto, em outros momentos da história da civilização os humanos estavam inseridos num cosmos, em um todo, onde existiam níveis e forças superiores. As grandes leis da natureza deveriam ser respeitadas e o conhecimento não era direcionado ao controle e domínio. Muito diferente dos princípios concretizados na modernidade (UNGER, 1991).
A visão do cosmos está relacionada com o sagrado e as leis divinas e a sabedoria devem estar em consonância com estes princípios. Ao longo do percurso civilizatório esta postura foi sendo abandonada e finalmente culminou na divisão entre ciência e sagrado. Este mundo afastado do sagrado fica sujeito à manipulação livre humana. Dominar o mundo e outros humanos ganhou sentido de liberdade na modernidade, sendo uma prova das capacidades da sociedade. No capitalismo, temos o que Weber denominou de “desencantamento do mundo”, onde a floresta, por exemplo, se torna uma mercadoria. O próprio indivíduo virou mercadoria. Estes conceitos provocam a sufocação da espiritualidade em que a racionalidade predomina sobre o sagrado. A repressão às sensibilidades, imposta pelo sistema capitalista, foi uma atitude necessária para dominação de classe e a acumulação de capital.
Nossa crise ambiental é ontológica, em que a visão da natureza se vira para a produção de lucro. Para promovermos uma necessária mudança ontológica precisamos de uma nova visão do real e a compreensão totalizante do universo, do qual somos apenas uma pequena parte. O desencantamento está presente em nosso olhar. A natureza e a realidade devem ser encaradas como “realezas” que não temos o direito de tiranizar. Nossa ciência, arte e sabedoria devem se tornar um canal de expressão da realidade e um ritual de reverência à sacralidade do mundo e do universo. Temos que desabrochar os encantos da natureza e do universo e abrir mão do nosso desejo de controlar e dominar. Resgatar o senso de cordialidade com a Terra, como a morada do homem. Viver assim a harmonia sagrada com a natureza e o cosmos, sendo este o sentido real de liberdade. Saber, finalmente, escutar os sinais da natureza e viver com ela em harmonia. Temos assim que ultrapassar a chamada “razão instrumental”. Cabe ao movimento ecológico juntar a dimensão da polis (convivência) com a do cosmo (universo). O social e o espiritual devem se aproximar e a visão utilitarista e antropocêntrica deve ser finalmente eliminada (UNGER, 1991).
Hoje sabemos que elétrons à distância podem se interagirem e que formas de comunicação podem se movimentar em velocidade maior do que a da luz. A consciência é algo transcendental que age fora da lógica do espaço e do tempo e está presente em tudo e todos. O universo é autoconsciente e é a consciência que cria o mundo físico. Está na hora de abandonarmos o abismo que foi desenvolvido entre o espiritual e o científico. Esta aproximação com o espiritual será essencial para o resgate de nosso encantamento com a natureza e o universo. O materialismo científico massacrou os elementos espirituais da vida, fato que acabou prejudicando o nosso sentido da vida e nosso respeito com a natureza e com o cosmo como um todo. A ciência clássica nos fez afastar das coisas mais simples da vida e um novo paradigma emerge em que a consciência e não a matéria é o substrato de tudo que existe. Nossa consciência parece ter a capacidade de produzir um efeito profundo sobre os elementos quânticos. Seria isso a influência da mente sobre a matéria? Como podemos afirmar que a consciência pode afetar os átomos? No entanto, afirmarmos que todas as coisas são compostas de átomos ou de consciência são igualmente suposições e interpretações. A consciência seria aquilo que nos liga uns aos outros e ao mundo.
Algumas propriedades importantes da física quântica nos levaram a todos esses questionamentos:
- Um objeto quântico pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo – propriedade da onda;
- Um objeto quântico não se manifesta no espaço-tempo até que possamos observá-lo na forma de partículas – propriedade do colapso da onda;
- Um objeto quântico deixa de existir num lugar e simultaneamente passa a existir em outro – propriedade do salto quântico;
- A manifestação de um objeto quântico ocasionada por nossa observação influencia outro correlato, mesmo à distância – propriedade da ação quântica à distância.
Estas são interpretações que reconhecem que os objetos não são independentes dos sujeitos e o dualismo que separou mente de matéria também pode ser questionado. No entanto, há um intercâmbio de energia que provoca uma interação entre mente e matéria como partes integrantes da mesma realidade. Finalmente, a visão dualista precisa ser ultrapassada na medida em que tudo tem consciência e por ela é influenciado. Temos que abandonar o universo mecânico que nos colocou num vazio e justificou o domínio e a destruição da natureza (GOSWAMI, 2007).
Referências:
GOSWAMI, A. O Universo Autoconsciente: como a consciência cria o mundo material. São Paulo: Aleph, 2007.
UNGER, N. M. Encantamento do Humano: Ecologia e Espiritualidade, Edições Loyola, 1991.
*Francisco Pontes de Miranda Ferreira é Jornalista (PUC Rio) e Geógrafo (UFRJ) com mestrado em Sociologia e Antropologia (UFRJ) e pós-graduação em História da Arte (PUC Rio), Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, membro do conselho editorial do Jornal Poiésis.